31.8.11

Uma passagem (pág. 215) de AS TRÊS VIDAS, de João Tordo:

«É impossível explicar como isto aconteceu mas, por alguma razão, não a reconheci. Mais tarde, pensei se haveria, na verdade, alguma espécie de estra­nho engenho dentro da cabeça de um homem que o impedisse, a partir de certa altura em que já nada espera, quando aprendeu a aceitar a derrota, de conseguir reconhecer aquilo sem que lhe parecera, em tempos, que não podia viver. Ansiamos por esse momento de felicidade; ele surge como uma queda de água no meio de um deserto; e, de repente, não acreditamos nele, por estarmos tão acostumados à sua irrevogável ausência.

Camila largou o gato no chão, saltou do sofá e, correndo para mim, de olhos brilhantes, abraçou-me com tanta força que, durante um instante, dei­xei de conseguir respirar. E ali estava o seu perfume, a sensação familiar do seu corpo, a memória da sua presença regressando com a suavidade de uma vaga nocturna, a sensação de um corpo iluminado por dentro. Abri os olhos, que não me lembrava de ter fechado, e, reparando mas ignorando que as pessoas no sofá nos observavam, foquei o rosto de Camila, o espanto reflectido nos seus olhos enormes.

«Como é que estás aqui? Es mesmo tu?», perguntou, baixinho. O cabelo castanho crescera-lhe, caindo agora abaixo dos ombros; o corpo amadurecera, os seios mais presentes, os ombros mais largos. Tinha brilhantes espalhados pela face, iludindo as sardas, e usava maquilhagem nas maçãs-do-rosto.

«Sou eu», respondi, sem saber o que dizer.
Ela olhou para trás, na direcção dos dois rapazes gémeos que haviam interrompido o seu jogo de cartas, e, depois, agarrando-me pela mão, fez-me sinal com a cabeça para sairmos dali. Nesse instante, porém, senti um braço forte em redor dos ombros. Voltei-me, surpreendido, e vi o rosto gorduroso do homem que me abrira a porta espraiado num sorriso de dentes amarelos.»

28.8.11

LEITURAS - João Tordo




Não podia deixar de ser. João Tordo, Prémio José Saramago 2009, com AS TRÊS VIDAS, romance publicado pela Quidnovi em 2008, estava na calha. Curiosamente, foi o meu sobrinho Ricardo que mo emprestou - e só o Ricardo perceberá porque digo isto...

Impressões de leitura:

1- Começa-se a ler e fica-se agarrado. Porque é uma história bem montada, de uma imaginação portentosa sem descolar da realidade e porque está escrita num português ágil, correcto. Sentimos que há uma volúpia do escritor na arte da narração, e que ele não pretende impor juízos de valor de qualquer espécie.

2 - Será isto literatura? Mais abaixo transcrevo parte de uma entrevista de João Tordo ao jornal I em que ele diz abertamente que não faz parte do cánon literário, explicando porquê.

3 - De facto não podemos arrumar J Tordo na prateleira dos nossos autores consagrados pela crítica de cariz universitário - Mário Claudio, Mário de Carvalho, Lídia Jorge, Maria Velho da Costa, Rui Nunes, António Lobo Antunes, Agustina Bessa-Luís, Hélia Correia,  para falar dos vivos... - nem ele pretende que assim seja. João Tordo filia-se no tipo de autor que parte da sua experiência de vida e a mistura com a criação ficcional. Comecei a ler um livro de Murakami e vejo ali o mesmo paradigma: uma literatura à medida da globalização, com predomínio do mundo urbano de estilo ocidental, com as grandes frustrações da classe média em pano de fundo, a orgia consumista, o mal de vivre de personagens desajustados num mundo cada vez mais frenético.

4 - São impressões iniciais, apenas. Há que ler mais alguma coisa deste jovem autor. E as suas entrevistas, que ajudam a entender o seu universo literário: AQUI e AQUI, por exemplo.


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Sobre João Tordo:


Da entrevista ao jornal diário I

«Pesam muito as expectativas associadas ao Prémio Saramago?

A expectativa é sempre boa, significa que tenho leitores e que há pessoas interessadas no que faço. Quanto a cumpri-las, tenho algumas reservas. Acho que não pertenço a este cânone da literatura portuguesa. Existe um conjunto de regras das quais não se deve sair se queremos fazer o que cá se chama literatura. Estamos pouco habituados a que os romances portugueses contem histórias. Pertenço a uma corrente que cá não é muito explorada, apoiada em narrativa e personagens. Há um cânone que não reconhece isso como modo de escrever livros e ter valor.

Isso aborrece-o?
Estou-me a cagar. Acho que nunca vou corresponder às expectativas deste cânone, mas sim das pessoas que gostam dos meus livros e do género que escrevo. Nunca parto para os romances a pensar que vou fazer literatura, mas que vou escrever. Não estou nada preocupado com esta obsessão canónica de ter de escrever como se escrevia nos anos 50, 60 e 70. A literatura muda e a forma de escrever também.»

* * *

Do site da WOOK:

 «João Tordo

Nasceu em Lisboa em 1975 num ambiente artístico. Filho do cantor Fernando Tordo e de Isabel Branco que sempre esteve ligada ao cinema e mais tarde à moda. Andou no Liceu Pedro Nunes e «era o único que não jogava rugby», em vez disso lia, 'vício' que lhe pegou o padrasto depois do divórcio dos pais. Acabado o 12º ano, resolveu ir para Filosofia por ser «uma boa maneira de se pôr a pensar». Entrou na Universidade Nova de Lisboa e sentiu o peso da exigência do curso. As aulas de Filosofia medieval marcaram-no e confessa que a partir dali nunca mais viu o mundo da mesma maneira. Depois do curso ainda trabalhou em Lisboa algum tempo como jornalista freelancer mas sentiu a «necessidade de sair daqui e ir viver outras coisas». Foi o que fez e em 1999 rumou a Londres para fazer um mestrado em Jornalismo. A cidade influenciou-o a tantos níveis que quis ficar até «ao limite das suas possibilidades», mas quando deu por si a trabalhar num bar e a fazer traduções percebeu que era tempo de partir. A próxima paragem tinha que ser Nova Iorque - sempre o fascínio das cidades - e os cursos de escrita criativa do City College. Ia às aulas de manhã, servia às mesas de um restaurante durante o jantar e escrevia pela noite dentro. Os Homens sem Luz nasceram assim. No futuro, há outras histórias para contar.»







26.8.11

LI, GOSTEI E PARTILHO


(Tirado d'AQUI)


A propósito de uma estranha doença que está a dar nos ricos( DD: "Doença de Dar") fui parar AQUI e diverti-me seriamente com o poemeto.
Na caixa de comentário encontrei este texto:

«Dois Prémios Nobel da Economia – Paul Krugman e Joseph E. Stiglitz – publicaram recentemente, no New York Times, análises convergentes em relação à crise norte-americana– artigos que o jornal El País do passado domingo reproduziu também, e que os responsáveis políticos da Europa deveriam ler com atenção. Que dizem eles? Dizem que o maior problema dos Estados Unidos não é o défice, mas o desemprego.

Stiglitz define a situação como «um vasto desperdício de recursos e um excesso de oferta de sofrimento». Krugman afirma que «o que estamos agora a ver é o que acontece quando as pessoas influentes se aproveitam de uma crise em vez de tratar de resolvê-la». Ambos apontam como solução para a crise uma política inversa da que tem sido seguida: dizem que os Estados Unidos deveriam estar a reconstruir escolas, estradas, e a tomar medidas agressivas de restruturação das dívidas familiares e de refinanciamento das hipotecas – ou seja, a agir de modo a provocar crescimento económico.

MATAR em simultâneo o investimento público e o consumo privado através da proletarização acelerada da classe média conduz ao agravamento da recessão e a um deses- pero social de consequências imprevisíveis. Por mais voltas que queiramos dar, e por mais discursos que façamos sobre os míticos e abstractos «valores» perdidos, a violência nos subúrbios de Londres resulta de um compacto de ausência de esperança e da ideologia neoliberal do «cada um por si». A substituição da economia material pela realidade virtual, especulativa e ingovernável, do mundo financeiro, foi a causa da crise profunda iniciada em 2008 – e já se sucederam desgraças suficientes para se perceber que o remédio não está na insistência em vergar as populações ao dinheiro até à insuportabilidade.

A inflação não é a encarnação do demónio. A consolidação financeira, autêntico bezerro de ouro dos tempos actuais, não se atinge espezinhando e escravizando o povo. São coisas simples, estas que economistas sérios e sábios vêm lembrar – e provam-no, com contas e com a História da Economia que a nossa época desmemoriada tende a ignorar. Krugman lembra que quando alguém está a sangrar precisa de um médico que lhe estanque a ferida, não de um doutor que lhe dê lições sobre a importância de um estilo de vida saudável. E acrescenta: «Quando milhões de trabalhadores capazes estão no desemprego, e se desperdiça o potencial económico ao ritmo de quase um bilião de dólares por ano, queremos políticos que procurem uma recuperação rápida em vez de gente que nos sermoneie sobre a necessidade da sustentabilidade fiscal a longo prazo».

Em sintonia com esta visão surge Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo que, também no New York Times, no passado dia 15, escrevia um artigo intitulado «Parem de mimar os super-ricos». Buffett recorda que, entre 1980 e 2000, os impostos sobre a riqueza eram mais elevados e foram criados 40 milhões de postos de trabalho; a partir de então, as taxas sobre a riqueza baixaram e a criação de emprego também – o que derrota a teoria segundo a qual impostos elevados enxotam os investidores. Buffett avisa:«Os meus amigos e eu já fomos suficientemente mimados por um Congresso amigo dos bilionários. É já tempo que o nosso Governo se torne sério quanto ao sacrifício partilhado».

Esperemos que o Governo português ouça estes alertas e reflicta sobre eles, de modo a corrigir a actual política de castigar para lá de todos os limites os rendimentos do trabalho e proteger escandalosamente os rendimentos do capital. Parem de mimar os super-ricos – e depressa.»

Inês Pedrosa no SOL

22.8.11

UM LUGAR CARREGADO DE HISTÓRIA



Há dias ficámos às portas deste Palácio. Observemos mais de perto e depois entremos.
Este é verdadeiramente um LUGAR NO TEMPO!
O Paço da Ega (freguesia de Ega, concelho de Condeixa-a-Nova) que visitámos há dias, é a reconstituição, feita com acompanhamento do IGESPAR, do antigo Paço dos comendadores da Ordem de Cristo. É hoje morada de um jovem casal simpatiquíssimo que reservou uma parte do edifício para Turismo de Habitação.
Para entender o espírito deste lugar é preciso recordar que naquela colina existiu, no século XII, um castelo construído pelos Templários, que fazia parte da linha de defesa das ricas várzeas da margem sul do Mondego, nos arredores de Coimbra, juntamente com os de Soure, Germanelo, Penela, Redinha e Pombal. Com o avanço da reconquista e o recuo dos Mouros, o castelo da Ega perdeu importância militar e deverá ter caído em ruínas.
Mais tarde a Ordem dos Templários foi extinta e os seus bens passaram para a Ordem de Cristo. Estava-se no reinado de D. Dinis. No lugar do antigo castelo da Ega foi erguido o Paço dos Comendadores da Ordem, senhores de grande poder e riqueza. Já no século XVI o Paço estava em grande degradação, como se diz num famoso TOMBO de 1508 ( documento/relatório) de um visitador que apontava pormenorizadamente os bens daquela comenda e, bem assim, as obras necessárias ao restauro do palácio.
Os séculos e as voltas da História maltrataram o edifício que chegou aos fins do século XX em lastimoso estado. Ega, que havia sido importante concelho - como o atesta o pelourinho que ainda hoje existe - , já perdera essa qualidade após a Guerra Civil de 1832/34.
Vetustas paredes, algumas janelas - como a lindíssima janela mainelada ao puro estilo manuelino - e muitas pedras a monte, era tudo o que havia quando os actuais proprietários, em 2000, meteram ombros à tarefa de restaurar o velho Paço. Foram dez anos de luta pertinaz e perseverante. Por isso me senti profundamente comovido ao transpor os portais daquele lugar magnífico. Afinal, ainda há quem acredite e construa, neste Portugal hoje à beira da ruína!
Algumas fotos que lá fiz e o site do Paço da Ega completam este pequeno apontamento.
Para saber mais trouxe a monografia de Amilcar Santos Neves - pároco da Ega há 50 anos! E conto ainda com o trabalho de investigação de M.C., a querida Mestre em História Medieval, que paciente e porfiadamente prescruta os segredos dos Tombos da Ordem de Cristo.

















Um dia destes deixo aqui mais alguns pormenores.

Fotos Méon


21.8.11

PAÇO DE EGA







Condeixa-a-Nova, freguesia (  antigo concelho) de Ega. Ali era o Paço dos Comendadores da Ordem de Cristo...
 Mais logo entramos e conversamos.
Lugar especial...

Fotos Méon

16.8.11

ESTAMOS NO MESMO BARCO?



 
O discurso de P P Coelho no Pontal lembrou-me a página infantil do jornal da minha terra. Vamos ser todos muito amiguinhos, tá bem? Nada de zangas, sim? Os meninos bem comportados percebem que os paizinhos têm de ser severos, às vezes... Mas é para bem dos meninos, não se esqueçam...

Não gostei do tom, do ar prazenteiro, da festa.
Não aceito este amiguismo do "estamos todos no mesmo barco". Estamos?
Quando os 25 mais ricos de Portugal aumentam em 17,5% a sua riqueza?
Quando o escândalo da Madeira continua e o senhor PP Coelho não tem uma palavra sobre isso, nem o senhor Silva, Presidente da República?
Quando a dívida privada, contraída pelos bancos e incentivada por eles, se transformou em dívida pública a ser paga por todos?
Quando o BPN é um escândalo sem fim, um sorvedoiro de recursos e um ex-ministro do PSD foi o testa de ferro de uma compra mais que duvidosa mas que nos querem fazer crer que foi uma dádiva que devemos agradecer sem indignação?

Tenha paciência, senhor Primeiro Ministro! Nem nós estamos na classe infantil nem somos seus amiguinhos!

15.8.11

A POESIA AJUDA A RESPIRAR...


Gil Teixeira Lopes

O ESPAÇO CHEIO

O rosto que transluz
e me comove
o gesto que me entende
e organiza
a quentura que vem
e me transtorna
tua boca redonda
e testa lisa
são sinais deste mundo
que me lambe
ou árvore em fogo ou (quase)
a minha vida

(João Rui de Sousa,
O Fogo Repartido, Ed. Litexa, Dafundo, s/d)

14.8.11

ALEGADAMENTE ...

José Pedro Aguiar-Branco


O ex-vice presidente do PSD José Pedro Aguiar-Branco é, alegadamente, um dos "campeões" dos cargos nas empresas cotadas nacionais. O advogado é presidente da mesa da Semapa (que não divulga o salário do advogado), da Portucel e da Impresa, entre vários outros cargos. Por duas AG em 2009, Aguiar-Branco recebeu, alegadamente, 8 080 euros, ou seja, 4 040 por reunião.

Este é um dos indivíduos que vai rotineiramente à televisão explicar aos portugueses a necessidade de sacrifícios e de redução de salários...
E agora é Ministro da Defesa.


* * *



Daniel Proença de Carvalho

Proença de Carvalho é, alegadamente,  o responsável com mais cargos entre os administradores não executivos das companhias do PSI-20, e também o mais bem pago. O advogado é, alegadamente,  presidente do conselho de administração da Zon, é membro da comissão de remunerações do BES, vice-presidente da mesa da assembleia geral da CGD e presidente da mesa na Galp Energia. E estes são apenas os cargos em empresas cotadas, já que Proença de Carvalho desempenha funções semelhantes em mais de 30 empresas. Considerando apenas estas quatro empresas (já que só é possível saber a remuneração em empresas cotadas em bolsa), o advogado recebeu 252 mil euros. Tendo em conta que esteve presente em 16 reuniões, Proença de Carvalho recebeu, em média e em 2009, 15,8 mil euros por reunião.

Este é um dos indivíduos que vai rotineiramente à televisão explicar aos portugueses a necessidade de sacrifícios e de redução de salários...

(Dados retirados da imprensa diária portuguesa)

12.8.11

A QUEM APROVEITA O CRIME?




Procuro entender o turbilhão de notícias. Para onde é que vamos? Que significa esta escalada de agravamento do custo de vida, que já toma o contorno de "actividade criminosa"? ( Acabo de saber: a taxa do IVA do gás e da electricidade aumentam 17%! Enquanto isso, o Governo ainda não explicou como vai resolver a gravíssima questão da Madeira, a viver de banditismo financeiro...)
Talvez me seja útil usar o ponto de partida dos detectives: "a quem aproveita o crime?"
Eugénio Rosa, um economista experiente que raramente é convidado das televisões, responde assim:


ESTÁ EM CURSO EM PORTUGAL UMA GIGANTESCA REDISTRIBUIÇÃO DO RENDIMENTO EM BENEFICIO DOS QUE JÁ MAIS TÊM

Portugal é um dos países da U.E. onde a distribuição do rendimento e da riqueza é já das mais desiguais. Segundo o Eurostat, em 2009, os 20% da população portuguesa com rendimentos mais elevados recebiam 6 vezes mais rendimento do que os 20% da população com rendimentos mais baixos, enquanto a média na União Europeia era de 4,9 vezes. Por outro lado, segundo o INE, também em 2009, os 10% da população com rendimentos mais elevados recebiam 9,2 vezes mais rendimento do que os 10% da população com rendimentos mais baixos. E 17,9% da população, ou seja, cerca de 1,9 milhões de portugueses viviam com rendimentos abaixo do limiar da pobreza. Isto depois das transferências sociais, pois se essas transferências forem eliminadas ou reduzidas, como este governo pretende, a taxa de risco de pobreza sobe para 43,4%.
Apesar das desigualdades em Portugal serem já superiores à média comunitária, e apesar do congelamento de salários e pensões e também recessão económica que atira diariamente muitos portugueses para o desemprego e para a miséria, o actual governo pretende fazer uma gigantesca redistribuição dos rendimentos (mais-valia), em beneficio da minoria já privilegiada.
Comecemos pela sobretaxa de IRS criada por Passos Coelho. Este imposto extraordinário de IRS é iníquo e extremamente injusto por várias razões. Em primeiro lugar, porque não incide sobre todos os rendimentos. Os juros não estão sujeitos a este imposto. E em 2010, os bancos pagaram 12.600 milhões € de juros e, em 2011, pagarão certamente mais porque as taxas de juro dos depósitos aumentaram muito. Os dividendos distribuídos também não são abrangidos. Em 2010, foram distribuídos 7.300 milhões € de dividendos. Também este imposto não incide sobre as empresas, por isso os lucros estão isentos deste imposto, mesmo o das grandes empresas. Igualmente, a maioria das mais-valias estão isentas pois cerca de 70% são recebidas por não residentes e por pessoas colectivas (fundos, SGPS, etc.) e todas elas estão isentas. O que resta de mais-valias está sujeita a uma taxa autónoma de 10%. Em segundo lugar, porque a taxa final que se aplica sempre é 3,5%, tenha-se um rendimento anual de 15.000€ ou de um milhão € como recebem os administradores da PT, EDP, e banca, portanto não é uma taxa progressiva como acontece com o IRS. Finalmente, é uma sobretaxa que será paga quase exclusivamente por trabalhadores e pensionistas. De acordo com um documento que o ministro das Finanças distribuiu na conferência de imprensa, em 2011, o governo prevê arrecadar 840 milhões €, tendo 75% como origem os salários e 25% as pensões. É evidente que este imposto deixará os ricos ainda mais ricos, e os pobres mais pobres nomeadamente trabalhadores e pensionistas, e grupos mais débeis realizando uma verdadeira redistribuição do rendimento em prejuízo destas classes.
Analisemos agora a redução da Taxa Social Única paga pelos patrões. A justificação segundo o governo é que ela aumentará a competitividade das empresas, o que é falso. Uma redução de 4 pontos percentuais na TSU paga pelos patrões (passar dos actuais 23,75% para 19,75%) determinará uma redução de custos que estimamos em apenas 0,5% e, em relação às empresas portuguesas, a redução de custos seria somente de 1,3%; portanto, valores reduzidos que não teriam qualquer impacto na competitividade. Entre Maio-2011 e 22-Julho- 2011, o euro valorizou em relação ao dólar em mais 4,7%, pois em Maio um euro valia 1,4349 dólares e, em Julho, já valia 1,4417 dólares, ou seja, mais que a redução de custos estimada anteriormente .
Embora a redução da TSU paga pelos patrões não tenha qualquer impacto na competitividade das empresas portuguesas ela acarretará uma redistribuição importante de rendimentos. Cada ponto percentual que essa taxa diminua, os patrões ficam com 400 milhões € de salários indirectos dos trabalhadores (mais-valia) e a Segurança Social perde 400 milhões € de receita. Se a redução for de 4 pontos percentuais os patrões arrecadam 1.600 milhões € em cada ano; se for de 8 pontos percentuais apropriar-se-ão de 3.200 milhões €/ano. Para compensar esta perda de receita da Segurança Social, o FMI e o governo pretendem que as taxas de IVA (6% e 13%) que incidem sobre bens de 1ª necessidade (pão, leite, margarina, carne, peixe, arroz, vegetais, etc.) aumentem. Se as taxas de IVA que incidem sobre os bens de 1ª necessidade e sobre os serviços de café e restaurantes aumentassem para 23%, os portugueses seriam obrigados a pagar mais 4.956 milhões € de IVA por ano.
Apesar da redução da TSU não ter qualquer efeito no aumento da competitividade, tal redução determinaria uma profunda redistribuição dos rendimentos. Os patrões ficariam com mais 4.956 milhões € de mais-valia criada pelos trabalhadores e, para compensar a receita perdida pela Segurança Social, o governo aumentaria o IVA que incide sobre os bens e serviços essenciais pago fundamentalmente pelos trabalhadores e pensionistas, principalmente os com rendimentos mais baixos. Mesmo que o aumento do IVA incida apenas sobre uma parte dos bens essenciais, mesmo assim a redistribuição do rendimento teria lugar, embora fosse de menor dimensão. Mas ainda existem muitas outras com idênticos objectivos (ex. :privatizar os CTT e Águas de Portugal).

Eugénio Rosa – Economista – Mais estudos disponíveis em www.eugeniorosa.com

11.8.11

LEITURAS E RELEITURAS DE VERÃO - 1




Allan Bloom publicou em 1987 um livro que fez furor: The Closing of the American Mind, publicado pela Europa-América como A CULTURA INCULTA. Acusaram-no de reaccionário, não sei se com razão, não conheço a sua obra.  Mas as suas reflexões vêm ao encontro de muitas das nossas preocupações, como esta questão do divórcio dos jovens em relação à leitura. Mais ainda quando se trata de alunos universitários:


“(...) Quando reparei pela primeira vez no declínio da leitura, no final da década de 60, passei a perguntar às minhas enormes turmas dos anos preliminares, e a grupos de alunos mais novos, que livros realmente contavam para eles. A maioria ficava em silêncio, embaraçada com a pergunta. Para eles, era estranha a noção de livros como companheiros (...) Se os estudantes não possuem livros, em compensação adoram a música. Semelhante apego é o que há de mais notável nesta geração. Estamos na era da música e dos estados de espírito que a acompanham (...) [A] música dos devotos de hoje, porém, não conhece classes nem nações. Está disponível 24 horas por dia, em toda parte. Possuímos estéreo em casa e no carro; temos concertos, vídeos musicais e assim por diante, não esquecendo os walkmen. Em resumo, não há um só lugar – nem os transportes públicos ou as bibliotecas – em que os estudantes não possam comunicar-se com a Musa, até mesmo nos momentos de estudo. Acima de tudo, aliás, o solo musical ganhou tropical riqueza. Nada de esperar por génios imprevisíveis. Agora os génios abundam, produzindo sem parar; cada herói que tomba, dois logo se erguem para assumir o lugar. O que menos escasseia é o novo e o inesperado (...) Pense num garoto de 13 anos sentado na sala de estar de sua residência estudando matemática com os fones de ouvido do walkman ligado ou então assistindo à televisão. Está a usufruir as liberdades duramente conquistadas ao longo de séculos pela aliança do génio filosófico e do heroísmo político, consagrada pelo sangue dos mártires. Goza de conforto e de ócio, graças à economia com a maior produtividade que a história já conheceu; a ciência penetrou nos segredos da natureza para lhe proporcionar som eletrónico e reprodução de imagem que imita a vida. E, afinal, em que culminou o progresso? Uma criança púbere cujo corpo vibra com ritmos orgasmicos, cujos sentimentos se articulam em hinos às alegrias do organismo ou à morte dos pais, cuja ambição é ficar famoso e rico imitando a rainha das marafonas, que faz a música. Resumindo, a vida, transformou-se numa interminável fantasia masturbatória pré-empacotada.”

(Allan Bloom, A CULTURA INCULTA, Livros de Bolso Europa-América, Mem Martins, 2001)

Da contra-capa:

« Em A Cultura Inculta, Allan Bloom, professor de História das Ideias na Universidade de Chicago e notável tradutor de Platão e Rousseau, afirma que a crise social e política do Ocidente no século XX  é realmente uma crise intelectual. Desde a falta de objectivos das universidades à falta de conhecimentos dos estudantes, desde os clichés da libertação à substituição da razão pela «criatividade», Bloom mostra como a democracia ocidental acolheu i inconscientemente ideias vulgarizadas de niilismo e desespero, de relativismo disfarçado de tolerância.
O que vemos hoje é gente nova que, sem uma compreensão do passado e uma visão do futuro, vive um presente empobrecido. Extensa análise das correntes intelectuais do nosso século, A Cultura Inculta é essencial para uma perspectiva de entendimento do mal-estar espiritual do Ocidente. Allan Bloom foi professor na Universidade de Chicago, em Yale, em Cornell, na Universidade de Toronto, na Universidade de Tel Aviv e na Universidade de Paris. Traduziu e editou a República de Platão e o Emílio de Rousseau.»




8.8.11

POVO, NÃO PERCAS A PACIÊNCIA...




Tiveram a maioria dos votos do povo, que ficou a aguardar por uma governação coerente com os sacrifícios que lhe são exigidos.
Que faz o Governo? 
Resposta de Macário Correia:

(...)
O autarca social-democrata de Faro, Macário Correia, considera, em entrevista hoje ao jornal Público, que é necessária uma «atitude mais coerente» por parte do Governo, referindo-se ao aumento de remunerações, administradores, assessores e adjuntos no Executivo e em empresas públicas.

Contactado já esta manhã pela TSF, Macário Correia disse estar indignado com estas situações, defendendo que vão contra as expectativas das famílias portuguesas. Por isso, pede explicações ao Governo.

«É necessário que nas próximas semanas o Governo dê sinais sobre o que quer fazer com estes chorudos salários dos gestores públicos, coisa que choca toda a gente. Não vejo nos casos da CGD e da CP que tenham sido tomadas numa linha de rumo diferente daquela que era do passado e que nós criticamos», justificou.

«No espaço de seis meses vemos um conjunto de reduções nos rendimentos das famílias, cortes nos vencimentos, aumentos nos transportes, cortes nos subsídios de Natal. Do lado do Governo os sinais das últimas semanas têm algumas contradições», sublinhou Macário Correia referindo-se ao número de membros dos gabinetes ministriais, a sua remuneração, e ao aumento de vencimentos de administradores de empresas públicas.
(...)

5.8.11

"COMISSÃO LIQUIDATÁRIA" - Crónica de Manuel António Pina





JN de 3 de Agosto

Acredite se quiser



O actual Governo começa a parecer-se de mais com uma comissão liquidatária do património do Estado a preços de saldo (e com os contribuintes a financiar os compradores).

A eliminação das "golden shares" a troco de nem um cêntimo não foi outra coisa senão uma escandalosa liberalidade ao capital privado. E não se diga que foi imposição da "troika" pois a "imposição" foi aceite, é bom não esquecê-lo, por PSD, CDS e PS e apesar de Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Irlanda, Grécia, Finlândia, Bélgica e Polónia continuarem a manter "golden shares" em empresas estratégicas (provavelmente terão é governos menos servis).

O BPN será, por sua vez, "vendido" ao BIC com o Estado a suportar os encargos dos despedimentos e ter que nele meter ainda mais 550 milhões, além dos 2,4 mil milhões que já lá estão. Tudo por... 40 milhões.

Seguir-se-ão os transportes, as estruturas aeroportuárias, os Correios, a água... O processo será o mesmo dos transportes: primeiro limpam-se os passivos das empresas à custa dos contribuintes (os aumentos "colossais" das tarifas dos transportes públicos dão uma ideia do que está para vir) depois são entregues de bandeja ao capital privado.

Para isso, o Orçamento Rectificativo agora apresentado na AR prevê 12 mil milhões para a banca mais um aumento de 20 para 35 mil milhões em garantias. Assim não faltarão à banca dinheiro nem garantias do Estado para ir aos saldos do Estado.

Manuel António Pina

4.8.11

ALCÁCER-QUIBIR


(Única representação conhecida da batalha (Miguel Leitão de Andrade, "Miscellânea", 1629)
Faz hoje 433 anos: em 4 de Agosto de 1578 um exército de Portugal, comandado pelo rei D. Sebastião, foi aniquilado em Alcácer-Quibir. Ver AQUI


 
D. SEBASTIÃO
Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Fernando Pessoa (in Mensagem)

IMAGENS DO MEU OLHAR - Aquele grande Mosteiro...








 


 
Visita virtual AQUI:

http://3d.culturaonline.pt/Content/Common/VirtualTour/Index.htm?id=c26617b5-acd3-422e-998f-5bd163a99efc
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Fotos Méon - Julho 2011

3.8.11

PARABÉNS, RENAULT 4L!



Nasceu há 50 anos. Um publicitário diria: "nunca tantos deveram tanto a um automóvel".
Também conduzi um carrinho destes durante uns tempos e ainda hoje tenho saudades da bengala das mudanças. Mesmo que tivesse de me pôr quase de pé para carregar na embraiagem.
Grande carro!
Parabéns, ó caixote!

1.8.11

SERVIÇO DE EMBRUTECIMENTO GERAL AO PAÍS





Só uma parte dos portugueses - sobretudo da que vive nos centros urbanos - tem televisão por cabo. O resto, que ainda é muita gente, e com menos recursos, conta apenas com as chamadas televisões generalistas: RTP, SIC e TVI. Para fugir, só apagando a televisão.

Ontem, no horário nobre, andei por ali e fiquei siderado: todas estavam sintonizadas com o SEGP - Serviço de Embrutecimento Geral ao Pais.

 A RTP transmitia o último episódio de uma série de 13, de "O ÚLTIMO A SAIR". Uma coisa ignóbil e pindérica que pretendia satirizar os reality shows.
Um tal Bruno Nogueira elevado a comediante foi o criador do programa. Sem chama, sem imaginação, enveredando pelo mau gosto e pela imbecilidade. Miguel Guilherme, que tão bem fez o "Conta-me como foi", ali obrigado a ter graça, metia dó. Confrangedor! Que saudades do antigo Herman e Cª!
Mas que grande serviço público, ó RTP. Privatiza-te, vai chafurdar na "iniciativa privada", ao menos não tenho de continuar a pagar uma coisa que não existe!

 Agoniado, passei à SIC. Estava a dar o Peso Certo!
Isto é: passei da retrete para a sentina. Aquilo é abaixo de estrume! Cheiro fétido! Uns tipos a rebentar de gordura suam que nem focas para perderem peso. E depois choram, choram a sério. Uma apresentadora aos guinchos faz de compére daquela tropa toda.

 Segurando o vómito, entrei na TVI. E cheguei ao esgoto.
Um tal "castelo branco" era o palhaço mais triste que alguma vez vi. Uma coisa com pernas e braços a dizer nem percebi o quê. E depois apareciam indígenas de umas ilhas perdidas do terceiro-mundo, que ensinavam formas ecológicas de vida como comer larvas e tomar banho em poças de água barrenta. Riam-se muito e diziam que tinham aprendido muito com aquelas experiências todas.

 Uma legião de fantasmas ergueu-se na minha memória. Apareceram-me de rostos marcados de uma indizível tristeza, de uma indignação magoada. Mário Castrim e a luta por uma televisão de qualidade. João Vilaret e os programas de poesia. Vitorino Nemésio e a vertigem da experiência cultural. David Mourão-Ferreira e as imagens da literatura universal. João de Freitas Branco e o universo musical. Natália Correia e a dignidade feminina. Palmira Bastos e as árvores que morrem de pé. Vasco Granja e o cinema de animação. João Benard da Costa e os filmes da minha vida. Mário Viegas e as palavras ditas.
E Fialho Gouveia... Raul Sonado...Carlos Pinto Coelho...
E as "noites de cinema". E as peças de teatro - teatro que desapareceu da televisão....

Não tenho vergonha de dizer: apaguei a televisão e saí dali com vontade de chorar.