António Alçada Baptista tem páginas admiráveis de auto-análise e de observação social e política. Em livros mais recentes há muitas histórias passadas com ele. Engraçadas, curiosas, reveladoras...
Esta fez-me rir com gosto.
Do livro A PESCA À LINHA - ALGUMAS MEMÓRIAS, Ed. Presença, Lisboa 1998.
A SURPRESA DA LÍNGUA
Tenho dito, sempre que vem a propósito, que uma das grandes vantagens que tem a língua portuguesa é o facto de ser falada em vários lugares do mundo. Ao contrário, tenho visto muito boa gente defender que a língua deve estar contida e fixa, que é, exactamente, o que caracteriza uma língua morta.
Para mim, as línguas, para se manterem vivas, têm que ser corrompidas e, por outro lado, perante uma realidade nova, temos que puxar pela cabeça e encontrar uma palavra que a exprima..
A linguagem dos africanos, não exactamente dos eruditos, mas do povo africano, dá-me sobre esse aspecto, contribuições que eu muito considero. Vou dar alguns exemplos.
O primeiro é de uma redacção sobre o encontro de Vasco da Gama com o Adamastor. Ser-nos-ia difícil contar, em linguagem normal, como se poderia ter dado aquele encontro mítico mas isso não constituiu problema para este aluno que escreveu como é que um encontro destes se passaria na linguagem da realidade:
«Os Vasco da Gama eras uma pessoa muito corajosa que descobristes a estrada do mar para ires nos Índia. Saiu dos Lisboa nos caravela e foicaté encontrou os gigante Adamastor.
Aí os gigante disse: - Pára. Pára aí! Bons dia!
Os Vasco da Gama lhe respondeu: - Bons dia!
- Onde é que vais? - perguntou os gigante.
Então os Vasco da Gama disse: - Você tens com nada! Os caravela é teu?»