Em dada altura Flaminius, criado de Timão, exclama:
- Será possível que o mundo tenha mudado tanto e nós, os vivos de outrora, continuemos vivos? Voa, vil metal, para aquele que te venera. (Cena 1 do III Acto)
De certo modo esta fala resume todo o drama desta peça que ontem vi representada no Teatro Municipal de Almada. O homem, todo o Homem, é determinado pelo dinheiro, pelo interesse pessoal. É o dinheiro que dá poder, quem o não tem não é ninguém.
Timão é um senhor enquanto tem dinheiro e o esbanja com os amigos; torna-se um pária, um desgraçado abandonado por quase todos quando o dinheiro lhe falta. Esta moralidade banal ganha dimensão pela simplicidade do enredo, tão directo, tão óbvio, que nos atinge na cara como um murro inesperado. É a falta de subtileza no tratamento da ambição humana e dos jogos dos aduladores que confere a esta peça - das menos conhecidas de Shakespeare - uma eficácia tremenda.
A concorrer para o resultado final deste belíssimo trabalho, a encenação em que Joaquim Benite trabalhava quando morreu, está a tradução da peça por Yvette Centeno e o bom trabalho dos actores da Companhia.
Gostei do dispositivo cénico, simples como o enredo e, como ele, eficaz: a metade do palco mais próxima dos espectadores é vazia, ali se passam as cenas com adereços elementares descidos do tecto quando necessário. A outra metade é ocupada por uma escadaria larga por onde sobem e descem os personagens, sugerindo talvez a roda da fortuna. Mas nada disto resultaria sem o rigoroso desenho de luz que sublinha ou marca a passagem das cenas.
A prolongada ovação final de uma sala repleta premiou este belíssimo trabalho.
No final, foi dada a conhecer a deliberação da Câmara Municipal de Almada que deu o nome de Joaquim Benite àquela Sala de Teatro. Homenagem justíssima.