31.7.12

NA MINHA VIDA...

Santa Cruz, Julho 2012. Foto (C) J Moedas Duarte


Deixa-te estar na minha vida
Como um navio sobre o mar.

Se o vento sopra e rasga as velas
E a noite é gélida e comprida
E a voz ecoa das procelas,
Deixa-te estar na minha vida.

Se erguem as ondas mãos de espuma
Aos céus, em cólera incontida,
E o ar se tolda e cresce a bruma,
Deixa-te estar na minha vida.

À praia, um dia, erma e esquecida,
Hei, com amor, de te levar.
Deixa-te estar na minha vida.
Como um navio sobre o mar.


CABRAL DO NASCIMENTO
1897/1978

28.7.12

GATO

Num telhado do Centro Histórico de Torres Vedras | Foto (C) J. Moedas Duarte


Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu.
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.

Fernando Pessoa
   janeiro de 1931



25.7.12

É a falta de cultura, estúpido! - Clara Ferreira A...


Um texto que acerta no alvo.
Relvas, tal como Cavaco e tantos outros, são a nata da grande incultura, um processo de decadência civilizacional. O desabafo do general fascista espanhol  - " quando ouço falar de cultura puxo da pistola" - tornou-se regra de vida. Os que abominam os intelectuais como se estes fossem os grandes causadores da crise mundial, mandam hoje no mundo. Não já o triunfo dos porcos mas o da estupidez.

O Elucubrativo: É a falta de cultura, estúpido! - Clara Ferreira A...: Nós merecemos isto. Nós elegemos esta gente. Nós não somos muito diferentes disto.  No meio do anedotário que converteria um homem m...

24.7.12

IMAGENS DO MEU OLHAR - Convento de S. Francisco de Alenquer


Lá no alto, o Convento de S. Francisco domina a vila de Alenquer. Foi deste Convento, fundado no século XIII, que em 1474 vieram os frades que constituíram a primeira comunidade franciscana do Varatojo, nos arredores de Torres Vedras.

Andámos por lá há dias. O edifício está bem conservado porque nele funciona um Lar de pessoas idosas. Antes habitado, mesmo que isso lhe retire alguma atractividade. Diga-se que a nossa visita, não anunciada, foi bem acolhida. Percorremos todos os espaços públicos, excepto a Igreja, que só abre aos Domingos, para a missa. Mesmo assim pudemos ver uma parte, a partir da tribuna do primeiro andar.
Vamos então dar uma volta por lá.





 Porta axial da Igreja, o que resta da primitiva construção do séc. XIII. 



 Portaria de entrada no Convento, hoje acesso ao Lar de idosos.




 Portal manuelino de uma pequena capela no claustro, que ficou de alguma reconstrução queinhentista.







 Vários aspectos do Claustro



 Portal da Casa do Capítulo, hoje capela mortuária, com alguns vestígios do primitivo convento.




   Pormenor do portal



 Relógio de sol, dado ao convento por Damião de Góis. Uma preciosidade.


 Uma das alas do Claustro é aproveitada para secar a roupa do Lar. Há vida aqui...


 Pátio interior do Claustro. O andar de cima foi envidraçado para dar algum conforto aos residentes.


 De mais perto...



 A vetustez e a elegância do gótico primitivo.




 Quem será este?





A Igreja, reconstrução setecentista, vista cá de cima da Tribuna.

Depois foi o passeio pela vila, com seus recantos pitorescos e alguns pormenores a que não falta o resto de um castelo, reconstruído nos anos 40 do séc. XX







A imponência do edifício neo-clássico da Câmara Municipal de Alenquer



Torre da Igreja de S. Pedro, onde está sepultado Damião de Góis. 














Saimos de Alenquer em direcção a Olhalvo, estendida aos pés da Serra de Montejunto.




Fotos (C) J Moedas Duarte

22.7.12

ÁRVORES




Braços sem abraços
gestos nus
grito vegetal

Rugas e folhagem
memória breve
na paisagem


Texto e fotos (C) J Moedas Duarte





20.7.12

CASA-MUSEU PASSOS CANAVARRO EM SANTARÉM:CONVÍVIO MEMORÁVEL





Na madrugada do dia 17 de Julho de 1843 Almeida Garrett meteu-se a caminho de Santarém. De barco e de carroça, levou um dia a chegar e 27 capítulos a narrar, no seu livro VIAGENS NA MINHA TERRA.
Levava como destino a casa de Passos Manuel, seu amigo e político de vulto no seu tempo.
Depois das conversas  de quem há muito se não via e dos comeres que estimulam a convivialidade, veio a noite e o acordar. Tudo assim descrito, no cap. XXVIII

«Comemos, conversámos, tomámos chá, tornámos a con­versar e tornámos a comer. Vieram visitas, falou-se política, falou-se literatura, falou-se de Santarém sobretudo, das suas ruínas, da sua grandeza antiga, da sua desgraça presente. Enfim, fomo-nos deitar.
Nunca dormi tão regalado sono em minha vida. Acordei no outro dia ao repicar incessante e apressurado dos sinos da alcáçova. Saltei da cama, fui à janela, e dei com o mais belo, o mais grandioso e, ao mesmo tempo, mais ameno quadro em que ainda pus os meus olhos.
No fundo de um largo vale aprazível e sereno está o sossegado leito do Tejo, cuja areia ruiva e resplandecente apenas se cobre de água junto às margens, donde se debru­çam, verdes e frescos ainda, os salgueiros que as ornam e defendem. De além do rio, com os pés no pingue nateiro daquelas terras aluviais, os ricos olivedos de Alpiarça e Almeirim; depois, a vila de D. Manuel e a sua charneca e as suas vinhas. De aquém, a imensa planície dita do Rossio, semeada de casas, de aldeias, de hortas, de grupos de árvores silvestres, de pomares. Mais para a raiz do monte em cujo cimo estou, o pitoresco bairro da Ribeira, com as suas casas e as suas igrejas, tão graciosas vistas daqui, a sua cruz de Santa Iria e as memórias romanescas do seu alfageme.
Com os olhos vagando por este quadro imenso e for­mosíssimo, a imaginação tomava-me asas e fugia pelo vago infinito das regiões ideais. Recordações de todos os tempos, pensamentos de todo o género me afluíam ao espírito e me tinham como num sonho em que as imagens mais discor­dantes e disparatadas se sucedem umas às outras.»

Foi esta a paisagem que Garrett viu...


... e esta a janela que ele abriu de par em par naquela gloriosa manhã de Verão...


...como o atesta a pedra votiva da parede:



169 anos depois, um grupo de 20 pessoas reuniu-se naquela varanda para conviver à volta da mesa
posta e do livro de Garrett, lido e relido para nele se entreter uma Tertúlia de convivas que fazem da leitura um  ponto de encontro. Tertúlia com origem num grupo de professores da Escola Secundária da Marquesa de Alorna, de Almeirim e que encontrou na Casa-Museu Passos Canavarro o lugar certo para de novo se reunir no que foi o primeiro encontro de uma série de três, sob o tema geral de "Viagens através da Literatura".

Tivemos o privilégio de participar nesta tertúlia em que a conversa foi como água de fonte, fresca e generosa, a saltitar sobre as páginas de Garrett. Que livro, este! De uma actualidade espantosa, na escrita e nos assuntos abordados, como adiante se exemplifica.
As imagens que aqui partilhamos recordam este convívio memorável, em que o anfitrião foi Pedro Canavarro, um grande senhor da Cultura Portuguesa e Presidente da Fundação da Casa-Museu.

Lembramos que este espaço é um lugar de visita obrigatória a quem se desloca às Portas do Sol - fica ali mesmo ao lado, por trás da Igreja da Alcáçova. Em Santarém. Todas as informações no site
http://fundacaopassoscanavarro.pt/casa-museu

A tarde caía e a lezíria à beira-Tejo entrava lentamente nas sombras da noite. Ao longe iam-se acendendo as luzes de Almeirim, Alpiarça, Chamusca... Mais perto, no sopé do monte, o casario da Ribeira de Santarém. Olhemos:










A velha muralha das Portas do Sol, vistas da varanda, ao cair da noite:

Fotos (C) Joaquim Moedas Duarte


Uma página de Almeida Garrett:


«(…) plantai batatas, ó geração de vapor e de pó-de-pedra, macadamizai estradas, fazei caminhos-de-ferro, construí passsarolas de ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa, como tendes feito esta que Deus nos deu, tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. — No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas de dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos econo­mistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à igno­rância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico. — Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já deve de andar orçado o número de almas que é preciso vender ao Diabo, o número de corpos que se têm de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peei, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro — seja o que for; cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.»(Viagens na Minha Terra, cap. III)