Começo com António Manuel Pires Cabral. O júri do Premio Luís MIguel Nava distribuíu o seguinte comunicado ( que retirei de O Labirinto de Babel ):
«O Prémio de Poesia Luís Miguel Nava 2009, agora bienal e referente aos livros de poesia publicados em 2007 e 2008, foi atribuído ao livro As Têmporas da Cinza, de A. M. Pires Cabral, publicado pelas Edições Cotovia.
No valor de cinco mil euros, o prémio, que, nas anteriores atribuições, foi concedido aos poetas Sophia de Mello Breyner Andresen, Fernando Echevarría, António Franco Alexandre, Armando Silva Carvalho, Manuel Gusmão, Fernando Guimarães, Manuel António Pina, Luís Quintais, António Ramos Rosa e Pedro Tamen, correspondeu à decisão unânime de um júri constituído, como habitualmente, por quatro membros da direcção da Fundação Luís Miguel Nava, Carlos Mendes de Sousa, Fernando Pinto do Amaral, Gastão Cruz e Luís Quintais, e um elemento convidado, desta vez o poeta e crítico António Carlos Cortez.
A limpidez e a precisão da escrita de A. M. Pires Cabral, a sua penetrante e austera visão dum mundo cuja expressão encontra numa espécie de imitação da terra o modelo para uma linguagem poética de invulgar intensidade, fazem deste autor um dos casos mais representativos da nossa melhor poesia contemporânea.»
Sobre A. M. Pires Cabral podemos ver algo AQUI.
De um outro espaço da blogosfera retirei esta introdução e dois poemas do livro agora premiado. Aqui ficam com a devida vénia aos seus autores:
A. M. PIRES CABRAL nasceu em 1941 em Chacim, Macedo de Cavaleiros, Trás-os-Montes. Licenciou-se em Filologia Germânica na Universidade de Coimbra. É autor de uma vasta obra literária onde a poesia não assume o menor papel. "As Têmporas da Cinza" (Cotovia, 2008), é um livro impressionante de maturidade. Esta é a poesia dos grandes temas entre os quais a morte, a frágil condição humana, a fraca matéria de que é feita a carne, a crítica a um deus indiferente perante o peso omnipresente da passagem do tempo. Dois poemas, com a devida vénia, deste livro que curiosamente, foi também finalista da short-list do prémio Correntes d' Escritas 2009:
A MOSCA DO SERVIÇO DE URGÊNCIA
A velha está sentada na sala de espera.
Chegou amparada pela filha, que a depositou ali
enquanto trata dos papéis. A aflição
deve ter sido tão súbita e imperiosa,
que a velha vem descomposta,
não houve tempo para atender a pudores.
Perdeu algures um chinelo.
Está sentada, muito branca, e parece
mascar as dores com as gengivas nuas.
Tem a morte pousada na cara, sob a forma
de uma mosca insistente e de ar atarefado.
Não tem forças para a sacudir.
A mosca aproxima-se da boca, depois parece
interessar-se pelo nariz. Delicia-se
com o muco ao canto do olho, como a criança
que come a ocultas um gelado interdito.
É como se estivesse em casa e percorresse
os aposentos ao sabor dos afazeres.
Cansada do rosto, levanta voo
e vai pousar, desta feita, numa mão.
Mas breve volta atrás, como se se tivesse
esquecido ali de alguma coisa,
e demora-se um pouco a tentar lembrar o quê.
Esfrega uma na outra as patas dianteiras,
celebrando a vitória que logo virá.
A velha já nem se dá conta
desse penúltimo escárnio da morte.
Está visivelmente madura para ela,
pronta a entregar-lhe os destroços do corpo.
Consumada a posse daquele território,
a mosca vai no seu voo fortuito
em busca de mais carne a requerer.
Há dezenas de doentes na sala.
Apalpa-os um por um, como se faz aos figos,
para saber qual deve ser comido
em primeiro lugar.
O mais certo é que acabe - mais dia, menos dia -
por devorá-los todos.
FARPAS
Tanta farpa cravei por acidente
no meu próprio flanco.
As farpas oscilam a cada passo meu,
lacerando sempre um pouco mais
os rasgões que já trago na carne.
Toma para ti - ò touro divino,
verdadeiro destinatário delas! -
algumas dessas farpas.
Que todas sobre mim são muito peso,
muita dor,
muito sangue empastando sobre a pele,
muita mosca cevando-se no sangue.
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Mais logo conto pôr aqui dois belos poemas de um amigo querido. A melhor prenda de Natal!
Até!
2 comentários:
Lembra-te daquele passeio da Cooperativa em que fomos recebidos pelo Pires Cabral, então P.da Câmara?
Hoje passo para te desejar boas festas.
Um beijinho
Alcinda
Sim, recordo-me bem, foi em 1982!
Mas ele não era P.da Câmara, era vereador da cultura.
Hoje é um homem com uma vida literária cheia!
Obrigado, BOAS FESTAS igualmente.
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