« À volta de uma mesa do café Martinho, em Lisboa, estavam, por 1857, seis ou sete sujeitos saturados de política. Estava eu também em princípio de "saturação", palavra pedida de empréstimo à química para bem materializar a ideia de um corpo embebido daquele cívico entusiasmo que salva as nações... nos botequins.
Eram todos os meus interlocutores naquela noite mais ou menos republicanos. Havia tal que dizia acreditar na metempsicose, porque sentia dentro do seu ventre os fígados de Robespierre; e outro, que arredondava musicamente os períodos demagogos, revelava-nos, com modéstia parelha de talento, que sentia coriscar-lhe no crânio o cérebro de Mirabeau; coriscos, se o eram, todos para dentro; que do fogo que lhe faiscava da fronte não havia que recear combustão em armazém de sulfureto de carbono.
Os outros não me lembra quem tinham dentro de si.
Pelo que me diz respeito, recenseando longa fileira dos defuntos históricos, suspeitei que era eu a paragem actual do transmigrado Sancho Pança, por me sentir rasamente lerdo à beira daquelas pessoas trabalhadas por crudelíssimas almas de torna-viagem.»
[ Início do romance " A INFANTA CAPELISTA ", de Camilo Castelo Branco, primeira edição em 1872]
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