Pollock
De volta de Raul Brandão ( 1867-1930) por causa do seu EL-REI JUNOT, dou-me conta da modernidade deste homem. Bebeu no pessimismo finissecular dos "nefelibatas" ( os que andam nas nuvens), mais por rebeldia juvenil do que por desistência existencial, e entrou no novo século sob "o estandarte de seda branca da Arte Moderna". Amanuense militar por imposição familiar, era nas Letras que terçava armas. Em 1910 saudou a República e reformou-se da tropa para escrever uma obra que chega até nós com inesperada actualidade. Para mim, pelo menos.
A dor e o espanto de existir. A vida como farsa grotesca temperada de ternura se pensarmos nos pobres e abandonados. A inevitabiliade da morte, vivendo com ela ao lado mas iludindo-a com a partilha de um amor perene - a sua vivência com Maria Angelina perdura ainda nas páginas luminosas que lhe dedicou.
Quando se debruçou sobre a História, (EL-REI JUNOT e VIDA E MORTE DE GOMES FREIRE), respeitou as fontes onde buscou informação mas mergulhou nos subterrâneos da alma humana, em busca do significado mais fundo dos acontecimentos. Visão impressionista da História, habitada por seres empurrados para o abismo da morte, movendo-se como títeres manobrados por forças incomensuráveis.
EL-REI JUNOT começa assim:
«A história é dor, a verdadeira história é a dos gritos. Eis a árvore: na árvore todo o trabalho obscuro se congrega para produzir a flor. Os homens debalde se agitam, desesperam, morrem; a Ideia leva-os, espicaçados pelo aguilhão da dor, para um destino natural de beleza. Não passam de títeres: pensam que resolvem, são impelidos, e essa mescla, que um momento se atropela em cena — gestos, bocas amargas, farrapos tolhidos de dor e impregnados de sonho, essa nuvem de espectros agitados, desfaz-se logo em pó: as órbitas das caveiras que alastram a crosta terráquea não se despegam porém, di-lo Emerson, das estrelas do céu. Fica uma ideia no ar — fica um rasto na terra: a dor transmite-se.
Todo o século XVIII resume-o na luta da Revolução contra fórmulas arcaicas. E isto é ainda uma aparência: mais fundo deparas sempre com a máscara impenetrável da dor.
O homem tem atrás de si uma infindável cadeia de mortos a impeli-lo, e todos os gritos que se soltaram no mundo desde tempos imemoriais se lhe repercutem na alma. — É essa a história: o que sofreste, o que sonhaste há milhares de anos, tacteou, veio, confundido no mistério, explodir nesta boca amarga, neste gesto de cólera... Não é inútil nem sofrer, nem fazer sofrer, e não há gri-to que se perca no mundo. Nem o mais ignorado, nem o mais humilde. Escusas de te rir... E todo o esforço humano é no fundo uma lenta aproximação de Deus, assim como tudo na vida se resolve segundo a forma por que cada um encara Deus... »
2 comentários:
Méon,
e vamos dicutir Raul Brandão, sim!!!!
Mais uma partilha! "Brigados"!!!!
Beijinho.
Muito bem fizeste em lembar Raul Brandão («Os Pescadores»!). Não li o seu livro sobre G.F. de Andrade. Fiquei com vontade de o encontrar.
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