12.2.10

QUE PODER TEM OBAMA?


Saudámos a vitória de Obama com enorme esperança. O mais poderoso país do mundo deixava de ter à frente um primata ignorante e perigoso, substituído por alguém muito diferente. Num colossal e contraditório caldo de culturas, mentalidades e interesses,  Obama representava os excluídos, os dominados, a multidão dos grupos urbanos das grandes cidades, contra os interesses económicos dominantes da indústria armamentista, das petrolíferas, dos gruposfinanceiros ( bancos, seguradoras...).
Meses depois a sua popularidade cai. Porquê? Eu andava a tentar perceber, até porque não subscrevo as análises primárias que o classificam  como "mais um grande representante do grande capital...", etc

O professor  Paul Krugman, Prémio Nobel da Economia em 2008, tem as suas crónicas semanalmente transcritas no jornal I. O seu texto de hoje parece-me responder em parte à questão. Transcrevo-o, até porque esta questão diz respeito a todos nós:


«Estados Unidos: farsa em vez de tragédia


por Paul Krugman, Publicado em 12 de Fevereiro de 2010

Os dois principais partidos estão a tornar os Estados Unidos praticamente ingovernáveis. É verdade que nem tudo está perdido, mas o Senado está a fazer por isso

Sempre soubemos que o reinado dos Estados Unidos como nação mais poderosa do mundo acabaria um dia. Só que a maioria de nós imaginava que a nossa queda, quando chegasse, seria algo de grandioso e trágico.

Em vez disso, depara-se-nos não uma tragédia, mas uma absoluta farsa. Em vez de nos estarmos a vergar sob o peso de um expansionismo imperial excessivo, estamos a ser paralisados por procedimentos. Em vez de uma nova versão do declínio e da queda de Roma, estamos perante uma réplica da dissolução da Polónia do século xviii. Não sei o que isto vale...

Uma pequena lição de história: nos séculos xvii e xviii, o órgão legislativo polaco, o Sejm, funcionava segundo o princípio da unanimidade. Qualquer deputado tinha o poder de anular uma proposta legislativa gritando "Não consinto!". Isto tornou o país ingovernável em termos práticos, e as potências vizinhas começaram a anexar pedaços do território polaco. Em 1795, a Polónia desapareceu, para só voltar a emergir um século mais tarde.

Hoje em dia, o Senado dos EUA parece determinado a fazer que o Sejm pareça, por comparação, uma benesse.
A semana passada, ao fim de nove meses, o Senado aprovou por fim o nome de Martha Johnson para chefiar a General Services Administration, órgão que gere o património edificado e os aprovisionamentos governamentais. É, em essência, um lugar não político, e ninguém contestou as qualificações de Johnson para o ocupar: o seu nome foi aprovado por 94 votos a favor e 2 contra. No entanto, o senador Christopher Bond, (republicano, do Missouri) tinha posto a nomeação em "suspenso", como forma de pressionar o governo a aprovar um projecto de construção em Kansas City.

Esse feito de características duvidosas pode ter inspirado o senador Richard Shelby (republicano, do Alabama). Seja como for, Shelby já pôs em suspenso todas as nomeações da administração Obama - cerca de 70 cargos oficiais de alto nível - até que o Estado que representa obtenha um contrato de produção de navios-tanque e um centro de contraterrorismo.

O que dá a senadores individuais um poder desta magnitude? A maioria dos assuntos do Senado assenta na aprovação por unanimidade: é difícil conseguir que alguma coisa se faça até que todos os membros concordem com os respectivos termos processuais. Nasceu assim, e consolidou-se, uma tradição segundo a qual os senadores, em troca de não invalidarem tudo, obtêm o direito de bloquear a nomeação de indigitados de quem não gostam.

Antigamente, as suspensões eram utilizadas de forma comedida - isto porque o Senado costumava observar "tradições de civilidade, cortesia, reciprocidade e conciliação". Mas isso era antigamente. As regras que costumavam ser viáveis tornam-se incapacitantes, agora que os principais partidos políticos do país se deixaram cair num niilismo e não vêem mal algum - aliás, vêem ganhos políticos - em tornar a nação ingovernável.

Hoje os dirigentes republicanos recusam-se a enunciar propostas específicas. Protestam contra o défice; no mês passado, os senadores desse partido votaram em bloco contra qualquer aumento do limite de endividamento federal, uma medida que poderia ter provocado mais um bloqueio do governo, não fora o facto de os democratas terem 60 votos no Senado. Mas também denunciam tudo o que possa reduzir o défice, incluindo, ironicamente, quaisquer esforços para gastar mais racionalmente os fundos do Medicare. Tendo o Partido Republicano, a nível nacional, abdicado de qualquer responsabilidade de fazer que as coisas funcionem, é mais que natural que os senadores, individualmente, se sintam à vontade para tomarem a nação como refém até conseguirem o financiamento pretendido para os seus projectos preferidos.

A verdade é que, dado o estado da vida política nos EUA, o comportamento do Senado está completamente divorciado de qualquer noção de governo funcional. Os próprios senadores deveriam reconhecer este facto e pugnar por uma alteração dessas regras, incluindo a eliminação, ou pelo menos a limitação, da flibusteria, o processo de bloqueio parlamentar. Eis algo que podem e devem fazer, por voto de maioria, no primeiro dia da próxima sessão do Senado. Mas é melhor esperarmos sentados. Da maneira como as coisas se apresentam, os democratas parecem nem sequer ser capazes de ganhar pontos pela denúncia do obstrucionismo dos seus opositores.

Deveria ser uma mensagem simples (e deveria ter sido mesmo a mensagem central no Massachusetts): um voto num republicano, independentemente do que se pense dele em termos pessoais, é um voto na paralisia. Mas, nesta altura do campeonato, já sabemos como a administração Obama lida com os que a destroem: vai-lhes directamente... aos vasos capilares. É bem verdade que Robert Gibbs, secretário de imprensa da Casa Branca, acusou Shelby de "parvoíce". Pois. Isso vai mesmo ter um impacto avassalador junto dos eleitores!»

Economista Nobel 2008

Exclusivo i/The New York Times

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