4.11.12

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Imponente como final de sinfonia, a última página de PALMEIRAS BRAVAS, de William Faulkner:

«Pois não era só memória. Memória era só a metade disso, não era bastante. Mas deve estar algures, pensou. Há o desperdício. Não só eu. Pelo menos, eu acho que não penso só em mim. Espero não pensar apenas em mim. Seja qualquer pessoa, pensando, recor­dando, o corpo, as ancas largas e as mãos que gostavam de fazer porcarias e coisas. Parecia tão pouco, não era pedir muito, não era querer muito. Adiante do velho rastejar em direcção ao túmulo, o velho apegar-se, velho e enrugado, murcho, derrotado, ape­gar-se nem mesmo à derrota mas apenas a um velho hábito; aceitando mesmo a derrota para ser-se autorizado ao apego ao hábito — os pulmões ofegantes, as tripas incómo­das, incapazes de prazer. Mas, afinal, a me­mória era capaz de viver nas velhas entra­nhas ofegantes; e agora, de facto, estava ao alcance da sua mão, incontroverso e claro, sereno, a palmeira estralejando e murmu­rando seca e brava e tenuemente e dentro da noite, mas podia encarar. Podia, não. Hei-de. Quero. De modo que é afinal a velha carne, não importa quão velha. Porque, se a memória existe fora da carne, não será memória, porque não saberá o que lembra, de modo que, quando ela se tornou nada, então metade da memória tornou-se nada, e, se eu me tornar nada, então todo o recor­dar deixará de ser. — É... pensou ele, entre a dor e o nada, eu escolho a dor.»

FAULKNER, William - Palmeiras Bravas, col. livro de bolso, Portugália Editora, s/d

Foto(C)J Moedas Duarte

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