1.3.10

A VERDADE APRENDEU...

Volta e meia visito as páginas de Baltasar Gracián:

«A verdade era a esposa legal do entendimento, mas a falsidade, sua grande rival, tentou expulsá-la da sua cama e derrubá-la do seu trono. Que ardis não inventou! Que calúnias! Começou por apelidar a verdade de grosseira, rude, pesada e simples. E descreveu-se a si mesma como cortês, esperta, elegante e gentil. E embora fosse naturalmente feia, era muito boa na arte do disfarce. Tomou o prazer como moço de recados e em breve destronava a parte mais nobre do espírito.


Desprezada e perseguida, a Verdade foi ter com a Inteligência para lhe contar as suas desventuras e pedir remédio.

— Ouve, minha amiga — disse a Inteligência — em tempos como estes nenhuma comida é mais intragável do que a crua desilusão, nada mais amargo do que uma boca cheia de verdade nua. A luz que incide directamente nos olhos pode torturar uma águia ou um lince. O que esperas das pessoas cuja visão está doente? Foi por isso que os sábios médicos da alma inventaram a arte de dourar a verdade, de adoçar a desilusão. Escreve isto: hás-de agradecer-me o conselho. Deves ser mais política. Veste-te como a Falsidade, pede emprestadas algumas das suas jóias e terás sucesso, prometo-te.

A verdade abriu os olhos para o estratagema e nunca mais foi a mesma. Agora mais inventiva, concebe ardis, faz a distância parecer mais próxima, fala do presente no passado, considera numa pessoa aquilo que deseja condenar noutra, visa o José para derrubar o João, cativa as emoções, finge afeição, baseia-se em fábulas simples e doces e, através de movimentos sinuosos como este, consegue chegar exactamente onde quer.»


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"Baltasar Gracián y Morales (Belmonte de Gracián, 8 de janeiro de 1601 — Tarazona, 6 de dezembro de 1658) foi um importante prosador espanhol do século XVII ao lado de autores como Francisco de Quevedo e Miguel de Cervantes, além de teólogo e filósofo.



É conhecido como líder do conceptismo, estilo literário caracterizado pela sobriedade e a concisão. Sua obra inclui seis livros: alguns sobre a arte da escrita e outros sobre a ética da vida, nos quais publicou usando um pseudônimo. Estes livros tiveram sua verdadeira autoria descoberta e o autor foi punido com a proibição de publicar seus escritos e a perda da cátedra.


É um escritor do Século de Ouro (Siglo de Oro). Entre sua prosa didática destacou-se a obra A Arte da Prudência. Gracián influenciou pensadores como François de La Rochefoucauld, Voltaire, Jacques Lacan e principalmente os filósofos Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche."
(da Wikipédia)

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