Teatro, para mim, é encenação. Esta define o espectáculo, tanto (às vezes mais...) do que o próprio texto.
Esta encenação é soberba: um palco povoado de troncos de eucalipto, com o tablado inundado de água - os actores têm água pelos artelhos, alguns andam descalços, outros com sapatos normais. Andam a chapinhar. Espalham água quando correm. Molham-se, molham a roupa. Mas movem-se como se a água não estivesse lá. Arrastam cadeiras - arrastam a vida. O labirinto é aberto, mas não deixa de ser labirinto - como a vida. O jogo de luzes é outro elemento importante: mal damos por ele, não se impõe como às vezes acontece, quando os encenadores se deixam arrastar pelos efeitos pirotécnicos... Um piano em fundo sonoro, o ruído de um combóio que marcha na noite, a viagem.
Da gaivota vemos apenas um saco que a envolve. Estará ela lá dentro? Gaivota, a inocência perdida...
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Depois, na mesma volta, a informação, também inesperada, de que Luís Miguel Cintra estaria na Capela do Rato, à noite, para ler o Eclesiastes na íntegra. A opção dele: ler, apenas. Nenhum efeito de encenação, nem sequer olhar o público. E o texto ganhou uma ressonância magnífica na voz clara, calma e profunda deste que muitos ( e eu também) consideram o melhor actor português vivo.
Uma das grandes vozes do nosso teatro...
«Em entrevista ao Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, Luís Miguel Cintra fala da leitura do Apocalipse, proferida no mesmo local em Junho deste ano, do Eclesiastes e do texto das Escrituras que gostava de voltar a interpretar.
Sobre o Apocalipse, último livro da Bíblia, o actor admite que “é um texto que coloca problemas a muita gente. A mim também. E assusta”.
Já em relação ao livro do Eclesiastes, do Antigo Testamento, Luís Miguel Cintra destaca as "questões que têm a ver com a exaltação dos valores humanos, da meditação sobre a morte, começando logo com aquela frase famosa «Vaidade das vaidades, tudo é vaidade»”. »Ver mais:
http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?id=82185
Mas o que mais me levou lá foi a vontade de rever aquele lugar mítico da resistência anti-fascista: a chamada Capela do Rato. Foi aqui que, nos idos dos início da década de 70 do século passado, um grupo dos chamados "católicos progressistas" - de que faziam parte Sophia de Mello B. Andersen e Helena Vaz da Silva, entre outros - se juntaram para reflectir sobre a guerra colonial, o que enfureceu o regime e levou ao fecho compulsivo da Capela, onde celebrava o célebre P. Alberto. Ver AQUI mais pormenores...
Não fiz parte desse grupo, até porque já então morava em Torres Vedras, mas tinha ido lá uma vez a uma celebração, ainda nos finais dos anos 60, quando aquele já era um lugar especial onde se vivia intensamente o aggiornamento da Igreja por influência de João XXIII e do Vaticano II, em contraste com a Igreja imobilista, retrógrada, comprometida com o salazarismo e controlada pelo Cardeal Cerejeira...
Porta exterior e aspecto interior da Capela do Rato, em Lisboa.
Para saber mais: ver AQUI.
1 comentário:
Adorei a descrição da encenação da
Gaivota...Há que inovar para que os
teatros não se esvaziem..
Abraço
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