António Guerreiro, no último Expresso de 2011, escreveu uma crónica que não cabe em adjetivos. Grande conteúdo em curto texto. Pequeno cálice com vintage...
O título é meu. A crónica não o tem, aparece na rubrica do autor,
Ao Pé da Letra.
Com a devida vénia:
TETAS E ENTRETENIMENTO
Se seguirmos a lição de Simmel, dando importância sociológica ao que ele chamava "manifestações de superfície", a publicidade surge-nos com a eloquência patética de um sintoma: o da infantilização generalizada a que nos sujeita a sociedade capitalista na sua fase tardia. O consumidor construído pela publicidade é um indivíduo em estado de regressão a um narcisismo primário, em que triunfa o princípio do prazer. Dir-se-á que esse é desde sempre o princípio de toda a publicidade e nada de novo se vislumbra. Mas não é verdade: nunca a tendência regressiva e o convite à ausência de todos os limites atingiram o grau superlativo que têm hoje, acompanhados, aliás, por outras manifestações de superfície, como é o caso da proliferação da atividade artística.
Como a entrada no mercado de trabalho é cada vez mais tardia ou está mesmo bloqueada, as atividades 'diletantes', que requerem o lazer, aumentam. Assim, a sociedade infantilizada pelos mecanismos da publicidade, do consumo e do discurso político que segue a lógica da despolitização é um imenso ateliê de ofícios artísticos. Em suma: um parque infantil. Tanta atividade artística faz-nos temer aquilo que Nietzsche exprimiu nestes termos: "Se acreditarmos que a cultura tem uma utilidade, acabamos por confundir o que é útil com a cultura" (um aviso aos que rejubilaram com a 'descoberta', feita por alguns economistas, de que a cultura é de um grande interesse económico).
Está assim garantido o projeto do tittytainment — um mot-valise formado por tits, seios, no calão americano, e entertainment —, concebido em 1995 pelos poderosos deste mundo, reunidos em São Francisco, e destinado a apaziguar uma população de supranumerários, cada vez mais numerosa. Tetas e entretenimento, alimentação suficiente e divertimento: eis o que fazer a 80 por cento de população infantilizada e excedentária.
António Guerreiro, EXPRESSO, Ao Pé da Letra
30 dezembro 2011
2 comentários:
OI Méon
uma boa noite ao amigo com um abraço grande.
O texto bem redigido enfoca o execesso de atividades de lazer dos ultimos tempos e me faz lenbrar de relance o futebol totalmente profissionalizado, enriquecendo de modo desigual a quem dele se arvora.
quem interessa estudar ? melhor enveredar por caminhos chamados culturais(?) a ser médico ou professor...
põe superlativo nisso Méon rs
deixo abraços
Certo, Lis. Obrigado pelas tuas visitas.
Bj
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