29.3.12
Alain Delon & Claudia Cardinale & Danube Waves
Revisitando velhos ícones do cinema. Aqui, algumas imagens do inesquecível "O Leopardo", de L. Visconti.
28.3.12
UM MUSEU POUCO CONHECIDO
Um lugar a explorar com tempo.
Soube há pouco a história impressionante do fim da vida deste homem, que deixou a casa ao Estado Português, que dela tomou conta em 1969.
A. Gonçalves tinha o sonho de visitar o Museu Hermitage, em S. Petersburgo, coisa que no tempo de Salazar era impossível. Mas com muitos empenhos, lá conseguiu autorização. Ao entrar naquele que é um dos maiores museus do mundo, pela extensão e riqueza do seu espólio, a emoção foi tão forte que caiu fulminado por um ataque cardíaco.
25.3.12
RELER J. L. BORGES
Reler Borges e rever a sua figura. Lembro-me de imagens de quando veio a Portugal. A serenidade de quem vê muito mais do que os olhos lhe poderiam mostrar.
As últimas palavras do prólogo a Fervor de Buenos Aires: "Naquele tempo procurava os entardeceres, os arrabaldes e o infortúnio; agora, as manhãs, o centro e a serenidade."
A dedicatóri à mãe:
«A Leonor Acevedo de Borges
Aqui estamos a falar os dois, et tout le reste est littérature, como escreveu, com excelente literatura, Verlaine.»
Obras Completas, vol I, Editorial Teorema, Lx, 1998
22.3.12
QUE CAMINHO?
Perplexidade, interrogação... O que sei é isto: o capital não tem fronteiras e obedece à lógica do cancro: multiplicar-se sem controlo. É gerido por programas informáticos sem rosto mas com muitos interessados - que podes ser tu ou eu, basta termos mil Euros no banco e pedirmos ao gestor de conta "aplique isso onde der mais dinheiro".
Não tem fronteiras, o capital. Mas nós continuamos a viver na ilusão de que somos independentes, soberanos, com um Governo democraticamente eleito, que aplica um programa para a felicidade comum.
Li esta opinião de Viriato Soromenho Marques e subscrevo. Faz lembrar o velho preceito de Marx "proletários de todo o mundo, uni-vos!" - e possivelmente não passará de idealismo inconsequente.
Mas... haverá outro caminho?
"Não faltam razões para protestar, o problema reside sempre em saber quais são as formas mais adequadas e eficazes de protesto. Estamos a assistir a uma espécie de "deslocamento de placas tectónicas" na sociedade contemporânea, e em particular na Europa, com imensas consequências nos planos social, económico, político e até moral.
Vivemos uma crise financeira e económica, que tem também raízes ambientais, alimentando-se ainda no facto de o projeto de construção europeia estar atingido por uma espécie de paralisia e recuo, precisamente na altura em que seria vital o seu aprofundamento e revitalização políticos num sentido claro, que deveria ser o do federalismo europeu.
A crise europeia é uma crise sistémica. Exige respostas estruturais, que impliquem uma óptica europeia, instrumentos de governação europeia, instituições europeias, uma legitimidade política fundada num verdadeiro consentimento dos povos europeus. Precisamente o contrário daquilo a que temos assistido. Medidas avulsas e de recorte nacional, condenadas ao fracasso. O movimento sindical, as organizações não-governamentais, as associações de cidadãos, as redes sociais, mas também os partidos políticos têm de procurar formas de coordenação europeia das suas ações de protesto, bem como das suas propostas de alternativa. A questão da criação de um espaço público europeu, de uma esfera de participação e cidadania europeias, é hoje uma questão de vida ou de morte não só para o projeto europeu, mas para a possibilidade de democracias avançadas e robustas no Velho Continente."
21.3.12
HOJE, 21 MARÇO
«... anjos que somos com a memória de espaços que só o amor imita.»
Agustina Bessa-Luís, Florbela Espanca, a vida e a obra, Arcádia, Lisboa, 1979
19.3.12
PRÉMIO LITERÁRIO
O cavalo a pedra a nuvem o amor
tudo o que se desloca
desloca-se para um fim, a gota de orvalho
nas folhas ou entre os dedos segue seu rumo,
a própria chuva quando cai bate
profundo
Se alguém te perguntar para onde corres
responde: sem fim.
O prémio inclui a futura publicação da obra premiada, intitulada LUGARES DE PASSAGEM, coletânea de 41 poemas.
Transcrevemos o último.
15.3.12
"Crows" by Akira Kurosawa - A dream about Vincent Van Gogh
Texto que alguém juntou:
Brilhante curta metragem de Akira Kurosawa apresentando o diretor Martin Scorcese como Vincent Van Gogh. Um estudante de arte (personagem usando a marca registrada de Kurosawa, o chapéu, por todo o filme) encontra-se ele mesmo dentro do mundo caótico e brilhante da arte de Van Gogh, onde
êle encontra o artista em um campo e conversam. O estudante perde o ratro do artista (a que falta uma orelha e próximo do fim de sua vida) e viaja através de outros quadros tentando encontrá-lo. O quadro de Van Gogh (Campo com corvos) é importante elemento neste sonho. A trilha sonora é o Prelúdio nº 15 de Chopin. Os efeitos visuais foram feitos por George Lucas e seu grupo de efeitos visuais "Industrial Light an Magic".
Este curta faz parte de "Sonhos".
13.3.12
TEMOS MEDO
«A História é uma sucessão de deuses mortos, uma espécie de cemitério divino. Antes de Pã muitos outros deuses sucumbiram, nenhum escapou à voracidade dos homens e às suas grandes narrativas; nem Deus-Cristo acumulador de verdades e valores, que ora aparece ora se esconde, intermitentemente, como idolátrica fantasmagoria.
Por agora habitamos o deserto e temos medo...»
11.3.12
QUE É FEITO DELA?
Agustina é um fantasma vivo. A sua imensa obra não merecia esta ironia do destino...
http://lugaronde.blogspot.com/2012/03/o-fantasma-de-agustina.html
http://lugaronde.blogspot.com/2012/03/o-fantasma-de-agustina.html
10.3.12
6.3.12
MISTÉRIO
«Agora me lembrei de que houve um tempo em que para me esquentar o espírito eu rezava: o movimento é espírito. A reza era um meio de mudamente e escondido de todos atingir-me a mim mesmo. Quando rezava conseguia um oco de alma - e esse oco é o tudo que posso eu jamais ter. Mais do que isso, nada. Mas o vazio tem o valor e a semelhança do pleno. Um meio de obter é não procurar, um meio de ter é o de não pedir e somente acreditar que o silêncio que eu creio em mim é resposta a meu - a meu mistério.»
[Clarice Lispector , A Hora da Estrela, ed. Relógio d' Água, 2002]
Silêncio e alguma escuridão. Acreditar que há portas sem trincos.
Em todos os poemas há uma ausência feliz.
5.3.12
O PROBLEMA ESSENCIAL
É preciso que um especialista diga estas coisas em voz alta...
Artigo saído ontem no jornal PÚBLICO:
Do nascimento à morte
o que mais conta é a classe social
Por Catarina Gomes
Michael Marmot veio ao Portugal em crise relembrar que por cada 1% na subida da taxa de desemprego, os suicídios crescem 0,8%. A boa notícia é que descem as mortes por acidentes de viação, ironiza. Viagem ao mundo das desigualdades na saúde com muito humor negro
Já não soa a surpreendente dizer que a esperança média de vida de uma mulher no Zimbabwe é de 42 anos e a de uma japonesa é de 80 anos, uma diferença de 42 anos, portanto. Ou que um queniano morre em média aos 47 anos e um sueco pode chegar contar aos 82, enuncia Michael Marmot, professor catedrático em Epidemiologia e Saúde Pública e director do Instituto Internacional para a Sociedade e Saúde na University College de Londres.
Mas e se o universo de que falamos for antes uma das zonas mais ricas de Londres, Westminster? Isso mesmo, o sítio onde fica o Parlamento britânico "e onde vivem muitos políticos e pessoas ricas". Pois nesta área geográfica, a diferença entre o mais rico e o mais pobre dos habitantes é de 17 anos. Não é preciso, por isso, apanhar um avião para África. "Eu faço este percurso de bicicleta em cerca de 25 minutos", disse o inglês Michael Marmot, na semana passada, perante uma plateia de profissionais de saúde no Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, em Lisboa.
"É um mito pensar que a Europa é uma região rica e não tem estes problemas. Há grandes desigualdades entre as pessoas, dentro dos países". E esta não é uma particularidade de Inglaterra, é possível encontrar o mesmo fenómeno, por exemplo, numa simples viagem de metro na capital norte americana, continua. Em Washington D.C. entre o mais rico dos seus habitantes e o mais pobre distam 18 anos de diferença em esperança média de vida, explicita o académico. Este tipo de desigualdades sociais que se reflectem na mortalidade e no estado de saúde das pessoas são tão transversais e tão permanentes que "até na igualitária Suécia há um estudo que mostra que há diferenças entre um detentor de um doutoramento e o de um mestrado, o doutorado tem maior esperança de vida".
A ideia de que o grupo social a que se pertence é determinante em termos de saúde é uma verdade que Michael Marmot foi encontrar no mais insuspeito dos grupos: os funcionários públicos britânicos, numa investigação que ficou famosa em Inglaterra, publicada na revista científica Lancet em 1991. Falando ao PÚBLICO após a conferência, disse que "não estamos aqui a falar de pobreza, todos eles têm emprego, casa, uma vida com alguma dignidade". Mas ainda assim encontrou maiores taxas de mortalidade entre os funcionários públicos do final da escala comparados com os do topo.
O que este estudo veio desmentir foi a ideia de senso comum de que as funções de maior responsabilidade trazem consigo mais stress e por isso mais doença cardiovascular, por exemplo, explicou. Pelo contrário, o que se constata é que é determinante o grau de autonomia que se tem no trabalho.
Nas investigações deste tipo chega-se à conclusão de que "o exemplo típico do trabalho com os níveis mais altos de stress é aquele em que a pessoa tem que fazer sempre as mesmas coisas da mesma forma e não tem qualquer controlo sobre o que faz, só tem que o fazer", ou seja, há mais stress, por exemplo num operário de uma fábrica, "que tem que pedir para ir à casa de banho, só tem que se fazer o que lhe é dito, não tem qualquer controlo sobre o seu trabalho", do que num administrador público de topo. Este "sabe que o que está a fazer é importante, há realização profissional. É um trabalho exigente mas tem mais controlo sobre o seu trabalho".
Marmot, que também esteve na Universidade do Algarve, tem dedicado o seu trabalho de pesquisa dos últimos 35 anos ao tema das desigualdades em saúde. E o que fez perante este auditório cheio de pessoas ligadas à saúde foi transportá-los ao longo de uma espécie de viagem ao mundo das desigualdades na saúde, que começa desde o nascimento e só termina até na morte. Com muito humor negro à mistura.
O pobre burro fica burro
Comece-se então nos primeiros anos de vida. Um estudo britânico de 2003 avaliou o desenvolvimento cognitivo de crianças dos 22 meses aos 10 anos, acompanhando o percurso de quatro tipos de crianças. Imaginemos que estamos a falar apenas de quatro crianças, para que se perceba: há duas que aos 22 meses pontuaram baixo na escala de desenvolvimento cognitivo, uma destas era originária de uma família de baixo estatuto socioeconómico e outra de um alto; e outras duas crianças que, no início de vida, estão nos valores mais altos do desenvolvimento cognitivo, mas uma é de um baixo estrato social e outra de alto. O que acontece a estas quatro crianças quando crescem? A criança com baixo desenvolvimento cognitivo de uma família rica recupera esse atraso, já aquela que tinha tido o mesmo baixo ponto de partida mantém-se ao mesmo nível. Nos dois meninos a quem foi identificado alto nível cognitivo, o da família pobre desce de desempenho intelectual à medida que avança na idade, o que cresceu num lar rico mantém o seu desempenho alto. O professor resume da seguinte forma este estudo: "Se se for pobre e burro fica-se burro, se se for burro e rico recupera-se. É a prova de que os genes não definem o destino e que a envolvência social é determinante e que o social potencia o biológico".Tomando depois como referência apenas dois elementos que afectam o desenvolvimento infantil sai reforçada a ideia da desigualdade social, continuou o académico. Logo à nascença, as crianças que nascem em famílias mais desfavorecidas têm maior probabilidade de terem mães com depressão pós-parto (cerca de 20%), número que não chega aos 10% no caso de famílias de estrato social mais elevado, revelam dados britânicos oficiais do Departamento da Criança, Escolas e Famílias de 2003-04 que citou. Um pouco mais velhinhos, aos três anos, cerca de 75% dos pais de famílias com estatuto socioeconómico mais alto lêem aos seus filhos todos os dias, uma prática que as estimula em termos cognitivos, número que desce para os cerca de 40% nos lares mais desfavorecidos.
E se estivermos a falar já da vida activa? E aqui Marmot mostrou um gráfico com uma escala que relaciona o grau de saúde mental com o tipo de vínculo laboral que se tem - dos que trabalhavam sem contrato, aos que têm trabalho temporário, aos que têm contrato e termo e os que estão integrados nos quadros. O estado de saúde mental é muito pior entre os que têm formas de trabalho mais precárias e alcança os melhores níveis entre os trabalhadores com estabilidade laboral. A leitura óbvia será a de que a precariedade laboral é causa de piores níveis de saúde mental, verdade?. "Sabem como é que um grupo de economistas a quem mostrei este gráfico o leram? Disseram que era prova que as pessoas com pior saúde mental estavam a entrar para trabalhos mais precários". E neste momento, como em tantos outros, arrancou gargalhadas à plateia.
Ao Portugal em crise, Marmot veio relembrar que "está provado que o aumento em 1% da taxa de desemprego faz subir em 0,8% a taxa de suicídios e 0,8% a de homicídios. O desemprego leva ao suicídio e a matar outras pessoas". Mas, também é verdade, continuou, que as mortes por acidentes de viação descem 1,4%," circula-se menos porque há menos dinheiro para a gasolina", ironizou. "Se fizermos as contas e quisermos ser cínicos podemos chegar à conclusão que a coisa fica quase ela por ela", concluiu Marmot.
Fumar mata
O professor não se limita a trazer números. O seu tom vai além do académico, assume na sua conferência o papel de porta-voz da uma mensagem que quer fazer passar: "Ouve-se os ministros das finanças dizerem que este é o preço para manter a inflação baixa". "E se a frase fosse antes "o preço de manter a inflação baixa é matar pessoas"- "isto devia ser o mais importante do debate, não é só olhar para alguns números". Para Michael Marmot "devíamos avaliar todas as políticas pelo impacto que estas terão na saúde" porque, ao fim ao cabo,"o que é que pode ser mais importante do que a vida que se pode ter?".E na saúde tudo tem a ver com expectativas, disse ao PÚBLICO. Tomemos como exemplo os fumadores. As maiores taxas de fumadores encontram-se entre os mais pobres e esta é uma causa objectiva que está na origem de maior doença, o cancro do pulmão, por exemplo. "Temos que lidar não apenas com as causas da doença, mas com as causas das causas". Por que é que quanto menos educação mais se tende a fumar"? As razões dá-as em forma de um estudo que pensa ser exemplar. "Houve um estudo britânico que foi estudar mães solteiras, viviam em situações de pobreza e quase todas fumavam". A conclusão subjacente ao estudo era a de que "fumar era a única coisa que faziam para si mesmas. Os miúdos gritavam, faziam barulho, o que é que elas faziam? Acendiam um cigarro, era uma estratégia de lidar com a situação".
Pobres e ricos em Glasgow
Marmot fala de outro estudo que diz que na saúde tudo tem a ver com a forma como se olha para o futuro. "Quem valoriza está disposto a fazer sacrifícios para ganhos futuros. Se não se acha que se tem futuro há menos incentivo a fazer sacrifícios hoje para um futuro que não se sabe se tem". Querem outro exemplo? Michael Marmot providencia. Na parte mais pobre da cidade escocesa de Glasgow há uma diferença de esperança de vida de 28 anos entre os homens, comparando os habitantes das partes mais ricas em relação às mais pobres, "a esperança média de vida entre os homens mais pobres é de 54 anos, é menos oito anos do que a média indiana para homens, que é 62".
"Num encontro onde apresentei estes dados veio uma pessoa ter comigo e disse que vivia na parte mais rica de Glasgow mas que tinha um amigo que vivia na parte pobre que lhe tinha dito que não fez absolutamente nada para vir a ter reforma". Porquê? "Porque achava que não ia chegar lá. Porque as pessoas perceberam que vão ter vidas duras por que é que hão-de se chatear com a ideia de deixar de fumar? As expectativas que temos na vida têm impacto na saúde".
Agora que já sabemos tudo isto, que pesam na balança da saúde e da morte as circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, que temos provas científicas que dão conta destas diferenças por que falta "vontade política"? Em 2008, no relatório encomendado pelo Governo Trabalhista que ficou conhecido como Marmot Review, deixou as áreas principais que podem e devem ser objecto de acção política tendentes a esbater estas diferenças: o desenvolvimento infantil; a educação e formação ao longo da vida; as condições de emprego; o rendimento; a existência de locais saudáveis e sustentáveis na comunidade; e factores como o tabagismo, o consumo de álcool, a obesidade ou o exercício físico. Em Lisboa, Marmot foi ouvido por um auditório cheio de pessoas ligadas à saúde que o aplaudiram de pé. E a sua mensagem foi: "O que é que pode ser mais importante do que a saúde das pessoas?
Mas e se o universo de que falamos for antes uma das zonas mais ricas de Londres, Westminster? Isso mesmo, o sítio onde fica o Parlamento britânico "e onde vivem muitos políticos e pessoas ricas". Pois nesta área geográfica, a diferença entre o mais rico e o mais pobre dos habitantes é de 17 anos. Não é preciso, por isso, apanhar um avião para África. "Eu faço este percurso de bicicleta em cerca de 25 minutos", disse o inglês Michael Marmot, na semana passada, perante uma plateia de profissionais de saúde no Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, em Lisboa.
"É um mito pensar que a Europa é uma região rica e não tem estes problemas. Há grandes desigualdades entre as pessoas, dentro dos países". E esta não é uma particularidade de Inglaterra, é possível encontrar o mesmo fenómeno, por exemplo, numa simples viagem de metro na capital norte americana, continua. Em Washington D.C. entre o mais rico dos seus habitantes e o mais pobre distam 18 anos de diferença em esperança média de vida, explicita o académico. Este tipo de desigualdades sociais que se reflectem na mortalidade e no estado de saúde das pessoas são tão transversais e tão permanentes que "até na igualitária Suécia há um estudo que mostra que há diferenças entre um detentor de um doutoramento e o de um mestrado, o doutorado tem maior esperança de vida".
A ideia de que o grupo social a que se pertence é determinante em termos de saúde é uma verdade que Michael Marmot foi encontrar no mais insuspeito dos grupos: os funcionários públicos britânicos, numa investigação que ficou famosa em Inglaterra, publicada na revista científica Lancet em 1991. Falando ao PÚBLICO após a conferência, disse que "não estamos aqui a falar de pobreza, todos eles têm emprego, casa, uma vida com alguma dignidade". Mas ainda assim encontrou maiores taxas de mortalidade entre os funcionários públicos do final da escala comparados com os do topo.
O que este estudo veio desmentir foi a ideia de senso comum de que as funções de maior responsabilidade trazem consigo mais stress e por isso mais doença cardiovascular, por exemplo, explicou. Pelo contrário, o que se constata é que é determinante o grau de autonomia que se tem no trabalho.
Nas investigações deste tipo chega-se à conclusão de que "o exemplo típico do trabalho com os níveis mais altos de stress é aquele em que a pessoa tem que fazer sempre as mesmas coisas da mesma forma e não tem qualquer controlo sobre o que faz, só tem que o fazer", ou seja, há mais stress, por exemplo num operário de uma fábrica, "que tem que pedir para ir à casa de banho, só tem que se fazer o que lhe é dito, não tem qualquer controlo sobre o seu trabalho", do que num administrador público de topo. Este "sabe que o que está a fazer é importante, há realização profissional. É um trabalho exigente mas tem mais controlo sobre o seu trabalho".
Marmot, que também esteve na Universidade do Algarve, tem dedicado o seu trabalho de pesquisa dos últimos 35 anos ao tema das desigualdades em saúde. E o que fez perante este auditório cheio de pessoas ligadas à saúde foi transportá-los ao longo de uma espécie de viagem ao mundo das desigualdades na saúde, que começa desde o nascimento e só termina até na morte. Com muito humor negro à mistura.
O pobre burro fica burro
Comece-se então nos primeiros anos de vida. Um estudo britânico de 2003 avaliou o desenvolvimento cognitivo de crianças dos 22 meses aos 10 anos, acompanhando o percurso de quatro tipos de crianças. Imaginemos que estamos a falar apenas de quatro crianças, para que se perceba: há duas que aos 22 meses pontuaram baixo na escala de desenvolvimento cognitivo, uma destas era originária de uma família de baixo estatuto socioeconómico e outra de um alto; e outras duas crianças que, no início de vida, estão nos valores mais altos do desenvolvimento cognitivo, mas uma é de um baixo estrato social e outra de alto. O que acontece a estas quatro crianças quando crescem? A criança com baixo desenvolvimento cognitivo de uma família rica recupera esse atraso, já aquela que tinha tido o mesmo baixo ponto de partida mantém-se ao mesmo nível. Nos dois meninos a quem foi identificado alto nível cognitivo, o da família pobre desce de desempenho intelectual à medida que avança na idade, o que cresceu num lar rico mantém o seu desempenho alto. O professor resume da seguinte forma este estudo: "Se se for pobre e burro fica-se burro, se se for burro e rico recupera-se. É a prova de que os genes não definem o destino e que a envolvência social é determinante e que o social potencia o biológico".Tomando depois como referência apenas dois elementos que afectam o desenvolvimento infantil sai reforçada a ideia da desigualdade social, continuou o académico. Logo à nascença, as crianças que nascem em famílias mais desfavorecidas têm maior probabilidade de terem mães com depressão pós-parto (cerca de 20%), número que não chega aos 10% no caso de famílias de estrato social mais elevado, revelam dados britânicos oficiais do Departamento da Criança, Escolas e Famílias de 2003-04 que citou. Um pouco mais velhinhos, aos três anos, cerca de 75% dos pais de famílias com estatuto socioeconómico mais alto lêem aos seus filhos todos os dias, uma prática que as estimula em termos cognitivos, número que desce para os cerca de 40% nos lares mais desfavorecidos.
E se estivermos a falar já da vida activa? E aqui Marmot mostrou um gráfico com uma escala que relaciona o grau de saúde mental com o tipo de vínculo laboral que se tem - dos que trabalhavam sem contrato, aos que têm trabalho temporário, aos que têm contrato e termo e os que estão integrados nos quadros. O estado de saúde mental é muito pior entre os que têm formas de trabalho mais precárias e alcança os melhores níveis entre os trabalhadores com estabilidade laboral. A leitura óbvia será a de que a precariedade laboral é causa de piores níveis de saúde mental, verdade?. "Sabem como é que um grupo de economistas a quem mostrei este gráfico o leram? Disseram que era prova que as pessoas com pior saúde mental estavam a entrar para trabalhos mais precários". E neste momento, como em tantos outros, arrancou gargalhadas à plateia.
Ao Portugal em crise, Marmot veio relembrar que "está provado que o aumento em 1% da taxa de desemprego faz subir em 0,8% a taxa de suicídios e 0,8% a de homicídios. O desemprego leva ao suicídio e a matar outras pessoas". Mas, também é verdade, continuou, que as mortes por acidentes de viação descem 1,4%," circula-se menos porque há menos dinheiro para a gasolina", ironizou. "Se fizermos as contas e quisermos ser cínicos podemos chegar à conclusão que a coisa fica quase ela por ela", concluiu Marmot.
Fumar mata
O professor não se limita a trazer números. O seu tom vai além do académico, assume na sua conferência o papel de porta-voz da uma mensagem que quer fazer passar: "Ouve-se os ministros das finanças dizerem que este é o preço para manter a inflação baixa". "E se a frase fosse antes "o preço de manter a inflação baixa é matar pessoas"- "isto devia ser o mais importante do debate, não é só olhar para alguns números". Para Michael Marmot "devíamos avaliar todas as políticas pelo impacto que estas terão na saúde" porque, ao fim ao cabo,"o que é que pode ser mais importante do que a vida que se pode ter?".E na saúde tudo tem a ver com expectativas, disse ao PÚBLICO. Tomemos como exemplo os fumadores. As maiores taxas de fumadores encontram-se entre os mais pobres e esta é uma causa objectiva que está na origem de maior doença, o cancro do pulmão, por exemplo. "Temos que lidar não apenas com as causas da doença, mas com as causas das causas". Por que é que quanto menos educação mais se tende a fumar"? As razões dá-as em forma de um estudo que pensa ser exemplar. "Houve um estudo britânico que foi estudar mães solteiras, viviam em situações de pobreza e quase todas fumavam". A conclusão subjacente ao estudo era a de que "fumar era a única coisa que faziam para si mesmas. Os miúdos gritavam, faziam barulho, o que é que elas faziam? Acendiam um cigarro, era uma estratégia de lidar com a situação".
Pobres e ricos em Glasgow
Marmot fala de outro estudo que diz que na saúde tudo tem a ver com a forma como se olha para o futuro. "Quem valoriza está disposto a fazer sacrifícios para ganhos futuros. Se não se acha que se tem futuro há menos incentivo a fazer sacrifícios hoje para um futuro que não se sabe se tem". Querem outro exemplo? Michael Marmot providencia. Na parte mais pobre da cidade escocesa de Glasgow há uma diferença de esperança de vida de 28 anos entre os homens, comparando os habitantes das partes mais ricas em relação às mais pobres, "a esperança média de vida entre os homens mais pobres é de 54 anos, é menos oito anos do que a média indiana para homens, que é 62".
"Num encontro onde apresentei estes dados veio uma pessoa ter comigo e disse que vivia na parte mais rica de Glasgow mas que tinha um amigo que vivia na parte pobre que lhe tinha dito que não fez absolutamente nada para vir a ter reforma". Porquê? "Porque achava que não ia chegar lá. Porque as pessoas perceberam que vão ter vidas duras por que é que hão-de se chatear com a ideia de deixar de fumar? As expectativas que temos na vida têm impacto na saúde".
Agora que já sabemos tudo isto, que pesam na balança da saúde e da morte as circunstâncias em que as pessoas nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem, que temos provas científicas que dão conta destas diferenças por que falta "vontade política"? Em 2008, no relatório encomendado pelo Governo Trabalhista que ficou conhecido como Marmot Review, deixou as áreas principais que podem e devem ser objecto de acção política tendentes a esbater estas diferenças: o desenvolvimento infantil; a educação e formação ao longo da vida; as condições de emprego; o rendimento; a existência de locais saudáveis e sustentáveis na comunidade; e factores como o tabagismo, o consumo de álcool, a obesidade ou o exercício físico. Em Lisboa, Marmot foi ouvido por um auditório cheio de pessoas ligadas à saúde que o aplaudiram de pé. E a sua mensagem foi: "O que é que pode ser mais importante do que a saúde das pessoas?
4.3.12
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