17.8.09

LEITURAS


Tive um colega na Faculdade que gostava de mandar umas bocas. Recordo-me de ele dizer "não leio para não ser influenciado". Tirava notas altas nos exames mas raramente o via na biblioteca ou com um livro nas mãos, o que me deixava perplexo, eu que era incapaz de sair de casa sem trazer um livro. Lembrei-me dele ao ler hoje este pequeno texto de Marcel Proust, grande consumidor e produtor de leituras...

A Memória da Leitura
Não há talvez dias da nossa infância que tenhamos tão intensamente vivido como aqueles que julgámos passar sem tê-los vivido, aqueles que passámos com um livro preferido. Tudo quanto, ao que parecia, os enchia para os outros, e que afastávamos como um obstáculo vulgar a um prazer divino: a brincadeira para a qual um amigo nos vinha buscar na passagem mais interessante, a abelha ou o raio de sol incomodativos que nos obrigavam a erguer os olhos da página ou a mudar de lugar, as provisões para o lanche que nos obrigavam a levar e que deixávamos ao nosso lado no banco, sem lhes tocar, enquanto, sobre a nossa cabeça, o sol diminuía de intensidade no céu azul, o jantar que motivara o regresso a casa e durante o qual só pensávamos em nos levantarmos da mesa para acabar, imediatamente a seguir, o capítulo interrompido, tudo isto, que a leitura nos devia ter impedido de perceber como algo mais do que a falta de oportunidade, ela pelo contrário gravava em nós uma recordação de tal modo doce (de tal modo mais preciosa no nosso entendimento actual do que o que líamos então com amor) que, se ainda hoje nos acontece folhear esses livros de outrora, é apenas como sendo os únicos calendários que guardámos dos dias passados, e com a esperança de ver reflectidas nas suas páginas as casas e os lagos que já não existem.
Marcel Proust, in 'O Prazer da Leitura'
Foto Filipa Carvalho, tirada de http://adevidacomedia.wordpress.com/

1 comentário:

Unknown disse...

Méon,

LER!!!!

será SEMPRE um mundo imenso a descobrir e a partilhar...

beijinho.