Sei o que sofri em miúdo com a violência de alguns matulões. Sei o que é procurar caminhos inesperados a caminho da escola para fugir dos grandões que me chamavam "caixa ´d'óculos".
Um rapazinho procurou na morte a libertação de tanta crueldade.
Muitas vezes a infância não é um lugar feliz. Por isso esta notícia do JN é-me insuportável.
Morreu para evitar agressão de colegas
Leandro, 12 anos, é a primeira vítima mortal conhecida de bullying em Portugal. Atirou-se ao rio Tua. Colegas garantem que não é caso único de violência na escola
HELENA TEIXEIRA DA SILVA
Ontem, quarta-feira, Christian não foi à escola. No dia anterior, almoçou à pressa na cantina, saiu aflito para o recreio quando viu, mais uma vez, o corpo franzino de Leandro, primo e amigo de 12 anos, ser espancado por dois colegas mais velhos.
Depois, perseguiu o rapaz que, cansado da tortura de quase todos os dias, ameaçou lançar-se da ponte, ali a dois passos. Perseguiu-o, impediu-o. Por fim, imitou-lhe os passos, degrau a degrau, até à margem do rio Tua. O primeiro estava decidido a morrer: despiu-se, atirou-se. O segundo estava decidido a salvá-lo: despiu-se, atirou-se.
Leandro morreu - é a primeira vítima mortal de bullying em Portugal; Christian agarrou-se a uma pedra para sobreviver. Antes, arriscou a vida a dobrar: digestão em curso em água gelada. Eram 13.40 horas. Ontem não foi à escola. Os pesadelos atrasaram-lhe o sono. Acordou cansado, alheado, emudecido. Leandro não é caso único. Ele também já foi agredido.
Christian não é o super-homem; não é sequer rapaz encorpado; é um menino assustado, tem 11 anos, não terá 40 quilos, o rosto salpicado de sardas e tristeza. Os olhos dos pais pregados nele, os dele cravados no chão da sala. Não estava sozinho na luta. "Estava eu, o Márcio (irmão gémeo de Leandro), o Ricardo...", este e aquele, os nomes dos amigos como um ditado, ele encolhido, no colo um cão minúsculo a quem insistentemente afaga o pêlo. "Não conseguimos salvá-lo, já estávamos tão cansados". O lamento sabe a resignação e à inquietação de quem veio de outra escola, em Andorra, Espanha, onde "há mais pequena coisa, os professores chamavam os pais", recordam, "preocupados", Júlio e Júlia Panda, pais de Christian, filhos da terra, Mirandela, no cume de Trás-os-Montes, retornados há pouco mais de um ano, trazidos com a crise e o desemprego. Vivem agora na aldeia de Cedainhos, a 15 quilómetros da cidade, lugar estacionado no tempo, onde vivia também Leandro e onde todas as casas, com laços mais ou menos próximos, são casas da mesma família.
Escola sem luto nem explicação
Um palmo acima, na mesma rua, vive a avó, Zélia Morais. Tem a cozinha cheia netos, mais de dez, netos de todas as idades, os gritos inocentes dos mais novos a misturarem-se na dor dos outros. Sabe tudo ao mesmo fado. É a imagem da desolação, ela prostrada no sofá, o coração com febre. "O meu menino era tão humilde. Todos os dias vinha saber de mim. Todos os dias", palavras repetidas embrulhadas em falta de ar. "E agora?" Agora, responde o filho Augusto, homem de meia idade que a coluna prendeu a uma cadeira de rodas, "agora, nem que tenha de vender tudo, vou até ao fim do mundo para saber quem levou o meu sobrinho a matar-se". A ameaça parece dura, dura um segundo, desfaz-se em pranto. "O meu menino sentava-se aqui comigo, conversava como adulto, era a minha companhia". Os pais de Leandro também vivem ali; não estão. "Estão em casa amiga, passaram a noite no hospital".
Ontem Christian não foi à escola. Mas na escola dele - E.B. 2,3 Luciano Cordeiro, onde partilhava o 6º ano com Leandro -, o dia foi normal. Nem portas fechadas nem luto nem explicação. O porteiro do turno da tarde entrou às 15 horas, bem disposto. "Sou jornalista, queria uma entrevista", ironizou. Tiro no pé. O JN estava lá. Perdeu o humor, convidou-nos a sair "já". A docente que saía do recinto também foi avisada, inverteu a marcha, já não saiu. Havia motivos para baterem tantas vezes no Leandro? Responde Christian: "Todos batem em todos".
5 comentários:
INSUPORTÁVEL é este legado da Escola "democrática" e dos teóricos do "eduquês" que tornou a Escola como um antro de rufias e um alfobre de ignorância, a começar pelos docentes.
Foi para isto que um punhado de jovens capitães sairam à rua numa madrugada de Abril?
A morte desta criança deixa manchadas de sangue as mãos de muitos professores, educadores e outros pedagogos que destroçaram o ensino em Portugal, sem serem capazes de fazer melhor do que o estava antes, apesar de ser mau.
À maioria dos professores interessava era carreiras meteóricas, cada vez menos horas de aulas, um regime de excepção que lhes dá o dobro do salário dos funcionários públicos do regime geral. Chegou-se agora ao cúmulo de uma velha professora do ensino básico, com apenas 11 anos de escolaridade acabar a carreira com um salário mais elevado do que um actual professor universitário (não é assistente, é mesmo professor).
Durante décadas o edifício da 5 de Outubro abarrotava de professores que , nas suas mentes iluminadas, cogitavam sobre a Escola, sobre o futuro das crianças de Portugal e - principalmente - pelos interesses da sua classe ( à que também eu já pertenci).
O grande mote desresponsabilizador do "eduquês" é a conhecida frase «na escola não podemos dar aos alunos aquilo que eles nao recebem em casa», transpondo para a família (a mesma instituição que tantos atentados tem recebido) as responsabilidades que um educador sempre tem.
Chegar a uma sala de aulas, despejar o que vem escrito no manual, de acordo com as instruções do ministério, dar notas discricionariamente e sair porta fora tem sido o comportamento da maioria dos docentes. Foram eles quem destruiu a escola. Agora que vemos os velhos e bons professores a reformarem-se, os últimos que, como alunos, ainda frequentaram a escola dos "fascistas", é que tudo vai acabar da pior maneira. Os produtos do "eduquÊs" e da escola da revolução chegaram a professores e pouco faltará pra que os alunos lhes cuspam na cara, fazendo do nobre local que deveria ser a escola um espaço sórdido e detestável para todos os que a frequentam.
Na verdade, a escola nem serve para nada. Basta ter os conhecimentos e o dinheiro que não custa comprar um diploma de engenheiro!
João P.
Entendo o seu comentário pela revolta que qualquer pessoa bem formada sente pela morte desta criança.
Faz um conjunto de considerações, que também entendo, mas que não subscrevo em grande parte. Porque a Escola é um lugar onde se concentram as contradições sociais e a sua análise incide sobre uma realidade demasiado complexa para caber na anatematização de um dos elementos da escola, os professores.
Se a coisa fosse assim tão simples já teria sido resolvida há muito tempo.
De qualquer modo, obrigado pela sua participação.
Oi Méon
Li no blog de uma amiga esse caso o menino Leandro, fiquei chocada como todos .Imaginamos sempre que nossos filhos estão protegidos dentro da escola, mas nem sempre isso acontece,.
Não podemos generalizar, tem escolas que conseguem acompanhar os alunos fora da sala de aula e concentrram suas atividades na parte psicologica ee pais ,inclusive.
O menino Leandro deveria ter fora da escola, uma vida frágil , de dificuldades e isso ajudou a nao encarar de fente os seus algozes, preferiu a pior solução.
Lamentável e que outros leandros sejam rsgatados em tempo.
meus abraços
Meu amigo, estou chocada como mãe e cidadã. Não sei como expressar-me mais, as palavras não saem ...
Os pesames à familia do menino Leandro.Alerta à sociedade...
É um caso para reflectir, meu caro Joaquim. Mas para reflectir a sério, o que já se deveria fazer há muito.
Numa escola Democrática há que repensar o papel do Professor: a sua dignidade e a salvaguarda do seu direito de dar aulas. Muitos docentes abandonam precocemente a carreira pelo facto de já não sentirem a motivação de leccionar.
Há também que garantir o direito de todos os alunos em aprender e sentirem-se livres e seguros no ambiente escolar. Perseguições na Escola? Em que século vivemos? E a Policia por onde anda? A multar?
Que regime este :(
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