7.3.10

UMA GRANDE POETISA: Maria do Rosário Pedreira



Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.


Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis

que alagámos de beijos quando eram outras horas

nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse

de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa

ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia

assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu

tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

que nos meus braços pousem então as aves (que , como eu,

trazem entre as penas a saudade de um verão carregado

de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas

brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores

que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara

como o sal na baínha das ondas, e a cegueira sempre

me assustou ( e eu já ceguei de amor, mas não contes

a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem

toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me

que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos

como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois

os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar

para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando

na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas

que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,

ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA

O Canto do Vento nos Ciprestes

1 comentário:

Lilá(s) disse...

Parece-me interessante! obrigada vou colocar na agenda.
Bjs