Pela primeira vez em muitos anos não retomo a actividade docente no início do ano lectivo. Mas não o lamento e é isso que me dói. Sempre disse que queria ficar na escola mais alguns anos para além do tempo da reforma, desde que tivesse condições de saúde para tal. Contudo, vi-me "obrigado" a sair mais cedo, inclusivé aceitando uma penalização de 4,5% sobre o vencimento.
Não sou protagonista de nada: o meu caso é apenas mais um no meio de milhares de professores a quem este Governo afrontou. Só quem não conhece as escolas e tem uma ideia errada da função docente é que não entende isto.
É doloroso ouvir pessoas que sempre deram o máximo pela sua profissão, que amam o ensino e têm uma ligação profunda com os alunos, a dizerem que estão exaustas e que lamentam não serem mais velhas para poderem reformar-se já. Vejo com enorme tristeza estes colegas a entrarem no ano lectivo como quem vai para um exílio. Compreendo-os bem...
Este estado de coisas tem responsáveis: são a equipa do Ministério da Educação e o Primeiro Ministro.
A eles se deve a criação de um enorme factor de desestabilização e conflito nas escolas que é a divisão artificial da carreira docente entre "professores titulares" e os outros que o não são. Todos fazem o mesmo, a todos são pedidas as mesmas responsabilidades, mas estão em patamares diferentes, definidos segundo critérios arbitrários.
A eles se deve um sistema de avaliação de desempenho que não é mais do que a extensão administrativa daquele erro colossal.
A eles se deve a legislação que não reforça a autoridade dos professores na escola, antes os transforma em burocratas ao serviço de encarregados de educação a quem não se pedem responsabilidades e de alunos a quem não se exige que estudem e tenham sucesso por mérito próprio.
No ano passado 100 000 mil professores na rua mostraram que não se conformavam com este estado de coisas. O Governo tremeu. Mas os Sindicatos de professores não souberam gerir esta revolta legítima. Ocupados por gente que não dá aulas, funcionalizados e alienados pelo sistema, apressaram-se a assinar um acordo que nada resolveu, antes adiou um problema que vai inquinar o ano lectivo que hoje começa.
Todos os que podem estão a vir-se embora das escolas, é a debandada geral. Professores com a experiência e a formação profissional de muitos anos, que ainda podiam dar tanto ao ensino, retiram-se desgostosos, desiludidos, magoados. Deixaram de acreditar que a sua presença era importante e bateram com a porta. O Governo não se importa, nada faz para os segurar: eram gente que tinha espírito crítico e resistia. «Que se vão embora, não fazem cá falta nenhuma!»
Não, não tenho pena de não voltar à escola. Pelo contrário: entro em Setembro com um enorme alívio. Mas não me sinto bem. Estou profundamente solidário com os meus colegas de profissão e tenho a estranha sensação de que os abandonei, embora saiba quanto isso é pretensioso da minha parte. Vejo com apreensão e desgosto que, trinta e sete anos depois de começar a ser professor, a escola não está melhor.
Sim, regressarei hoje à escola. Mas só para dar um imenso abraço àqueles que, corajosamente, como professores no activo, enfrentam um novo ano lectivo.
18 comentários:
Méon,
REGRESSAREMOS, SIM!
Beijinho.
E que o regresso seja uma afirmação de dignidade profissional!
Cem por cento solidário contigo, convosco...
Vou iniciar o meu último ano , o meu sentir está bem percebido nas suas palavras... só sinto raiva de nos fazerem sentir isso, apenas alívio e pouco mais que nada...
Grande abraço, Joaquim!
Vou levar este post e divulgá-lo, contando antecipadamente com a sua permissão.
Aproveite bem a sua vida que há mais vida agora...
rendadebilros:
Pode usar o texto à vontade, e agradeço a sua divulgação. É que não se trata de mim como seu autor, mas de toda uma classe profissional que necessita de vozes que se façam ouvir por todo o lado. Sou apenas um... entre tantos!
Coragem para este último ano!
Abraço solidário!
Já em tempos escrevi uma carta aberta - há meio ano , creio , que enviei ao sr. Presidente da República . Demoraram a responder ( da PR), mas só o fizeram para dizer que o sr. Pr tinha lido com atenção a carta... porque, de resto, bem sabemos o silêncio estrondoso que dali tem vindo sobre este assunto dos professores...
Grande abraço.
Ah o texto já está também aqui www.terrasmuialtas.blogspot.com e vai seguir por mail para vários destinos.
Assim é Amigo!
O dizer sentido e partilhado é por mim muito apreciado!
Já não sinto entusiasmo para iniciar mais um ano lectivo!No entanto, acredito que ainda tenho dentro de mim algo que pode fazer com que veja o sorriso, o brilho e a curiosidade das crianças!E só por isso é que vale o esforço!
:)Bjs
Obrigado aos amigos e colegas.
Bjs
Não sou colega,sou mãe, e sou solidária com os professores, o ano passado acompanhei a situação de uma colega vossa que para não sofrer essa penalização (temos de compreender) saiu faltavam dois meses para o fim do ano, todas os alunos sentiram, ela sentiu imenso, mesmo. Em resposta, nas Provas de Aferição "os meninos dela" foram a melhor turma da escola, quiseram dar aquele "presente" a Sra. Professora, acreditem que emocionou, e deveria servir de lição para os adultos, aquelas crianças que ficarm dois meses prejudicadas por burocracias estupidas, estiveram sempre ao lado da Professora...
Força para todos os que agora começam mais um Ano, bom trabalho!
Aqui venho mesmo debruçar-me sobre o seu texto, porque na educação do meu umbigo eu estava a dirigir-me indiferenciadamente a si e aos comentaristas.
"(...), a dizerem que estão exaustas e que lamentam não serem mais velhas para poderem reformar-se já. (...) estes colegas a entrarem no ano lectivo como quem vai para um exílio."
Isto que diz é totalmente verdade, eu também oiço o mesmo na minha escola e também fico revoltado.
Eu é que nunca o vou dizer ou mostrar.
1º, porque, fazendo-o, tenho a certeza que aqueles brutos do governo se riem alarvemente de todas estas queixas: não lhes vou dar esse prazer.
2º, porque, fazendo-o, estou a admitir e a mostrar que eles detêm um poder sobre mim que não têm realmente: no meu espírito, por enquanto, eles não podem mandar, só eu deixando.
Dito isto, desejo-lhe as maiores felicidades e que me desculpe algum excesso injusto da minha parte.
Um abraço solidário a todos os colegas!
Avelã, "Anónimo flor silvestre", rendadebilros,Elsa, Rui, Xantipa:
SENTI a vossa presença!
Estaremos solidários, TODOS.
Porque acreditamos que a Escola só tem sentido se for um lugar de afectos - coisa estranha para aquela gentalha do ME...
Abraço para todos!
A cada ano que passa custa mais a arrancar para um novo ano lectivo. Mas nunca me custou tanto como este. Não saber o que nos espera é deveras angustiante.
Obrigada pela tua presença, pela tua camaradagem!
bjs
(estarás interessado em lá ires dar uma palestrazinha sobre os Descobrimentos...lá para Janeiro???!!!)
Parabéns. Foste o porta-voz das palavras que andamos a dizer a nós próprios e aos amigos e familiares. E com uma pontualidade que revela energia e presença vigilante: 1 de Setembro. Isto ajuda os que já começaram a dar o melhor de si na missão difícil que é o ensino, hoje. Tenho esperança nelas e neles que trabalham nas escolas pelas novas gerações. Hão-de conseguir. E os jovens rapazes e raparigas também hão-de conseguir. Vieste-lhes dar mais força.
Vou divulgar o artigo, que agradeço, por algumas pessoas.
Um abraço do
José Luís
Amigos:
Obrigado pelas palavras de amizade. Sinto a solidariedade como uma corrente contínua que nos liga, aquece e ilumina...
Doeu-me! E a dor foi tanta que as lágrimas apareceram. Foste sempre, para mim, a imagem da recusa ao desânimo (continuas a ser!); de quem tem gosto pelo trabalho que desempenha; o que não deixa de fazer porque "os miúdos merecem"...Por isso doeram as palavras, mais do que se vindas de qualquer outro. Doeram porque tão sentidas. Doeram pelo eco que provocaram! Obrigada por teres sido o colega e amigo que foste na escola e continuarás a ser fora dela.Vamo-nos vendo por aí...
Ana Cláudio:
Amiga! Habituei-me tb a ver em ti a "geração seguinte", aquela que está agora na primeira linha, os que vão precisar de toda a coragem para aguentar as prepotências.
Força para ti! Toda a minha solidariedade! Repito o que já disse noutra ocasião: eu não saí do combóio, apenas mudei de carruagem
Recebi no meu mail esta "carta aberta a todos os colegas".
Só posso dizer "quem me dera já poder estar nessa situação" porque tudo o que dizes está certo.
Há 25 cinco anos fomos colegas em Torres Vedras.
Abraços
NG
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