Hoje encontrei por aqui uns versos que vêm a propósito. Uma composição popular, na saborosa forma de "décimas", em que quatro estrofes de dez versos glosam a quadra inicial. Cada um dos versos da quadra fecha a estrofe que o desenvolve, numa engenhosa e bem ritmada estrutura de rima.
Fui nova, cortante enxada,
Desbravei, cavei o chão,
Fui sucata abandonada,
Ando agora num canhão!
Quase me lembro de ser
A pedra dum mineral
E lembro-me a luta fatal
Do braço p’ra me colher;
Levaram-me a derreter,
Fui em ferro transformada,
Fui depois à martelada
Numa bigorna estendida,
Deram-me a forma devida
Fui nova, cortante enxada.
Comprou-me um moço posssante,
Pôs-me um cabo de madeira
E lá vou na segunda-feira
Nos braços desse gigante;
Desde esse dia em diante
Foi a minha profissão
Desbravar terras de pão,
Relvas, vinhas, olivais,
Vinte anos, talvez mais,
Desbravei, cavei o chão.
Começava de manhã
Sempre em luta vigorosa,
Mesmo em terra pedregosa,
Cada vez com mais afã,
Resisti enquanto sã
A poder ser consertada,
Já rasinha e dilatada,
Deixei de ser ferramenta,
Fui p’ró canto ferrugenta,
Fui sucata abandonada.
Passei anos sem valor
Com velhos ferros como eu,
Até que um dia apareceu
Lá por casa um comprador;
Meteram-me num vapor,
Fui a nova fundição,
Por meu destino ou condão
Nunca mais cavei na terra,
Mandaram-me para a guerra,
Ando agora num canhão!
Uma décima de Manuel de Castro,
da vila alentejana de Cuba
2 comentários:
...um dia, por castigo...fui viver uns tempos com meus pais.No dia seguinte levantei cedo e metendo-me uma enxada
na mão, disseram....Pega na 'caneta' e
vem comnosco....Ufff..foi pouco tempo,
aprendi depressa...
Abraço
Méon,
a veracidade da vida na expressividade das palavras.
E tantas mãos calejadas...
Beijinho.
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