24.7.14

OLHANDO O MAR COM SOPHIA

Foto: J. Moedas Duarte - Santa Cruz, T. Vedras


 «Mar / Metade da minha alma é feita de maresia»

Dias de vacilante Verão. Frente a Santa Cruz, o Atlântico também vacila entre ser líquida e serena planície ou revolta ruidosa de ondas indomáveis ao assalto da praia.
O mar e a maresia – parte da alma de Sophia vai pairando em busca de poemas. Ela explicou: «Pensava que se conseguisse ficar completamente imóvel e muda em certos lugares mágicos(...) eu conseguiria ouvir um desses poemas que o próprio ar continha em si.»
Repousam agora no Panteão Nacional os restos mortais de Sophia de Mello Breyner Andersen. Restos mortais. Os outros, que ela nos deixou e não morrem, vivem no ar, no mar, na maresia. Vivem na promessa de um poema:
«Quando eu morrer voltarei para buscar

Os instantes que não vivi junto do mar» | JMD


Foto: J. Moedas Duarte - St. Cruz, T. Vedras


MAR SONORO

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que suponho
Seres um milagre criado só para mim.


MAR
I

De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.

II
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.



QUANDO

                                                                                                                                                                                            Foto da internet

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes sobre o mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se eu não estivesse morta.


Foto J. Moedas Duarte - St. Cruz, T. Vedras



LUSITÂNIA

Os que avançam de frente para o mar
E nele enterram como uma aguda faca
A proa negra dos seus barcos
Vivem de pouco pão e de luar.


MEIO-DIA

Meio-dia- Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto,
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo
Parece bater palmas.



Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.



MAR SONORO

Mar sonoro, mar sem fundo, mar sem fim,
A tua beleza aumenta quando estamos sós
E tão fundo intimamente a tua voz
Segue o mais secreto bailar do meu sonho,
Que momentos há em que eu suponho
Seres um milagre criado só para mim.



Dia do mar no ar, construído
Com sombras de cavalos e de plumas.

Dia do mar no meu quarto – cubo
Onde os meus gestos sonâmbulos deslizam
Entre o animal e a flor como medusas.

Dia do mar no ar, dia alto
Onde os meus gestos são gaivotas que se perdem

Rolando sobre as ondas, sobre as nuvens.


Foto J. Moedas Duarte - Litoral de T. Vedras

PRAIA

As ondas desenrolam os seus braços
E brancas tombam de bruços.



Neste dia de mar e nevoeiro
É tão próximo o teu rosto.

São os longos horizontes
Os ritmos soltos dos ventos
E aquelas aves
Que desde o princípio das estações
Fizeram ninhos e emigraram
Para que num dia inverso tu as visses.

Aquelas aves que tinham
Uma memória eterna do teu rosto
E voam sempre dentro do teu sonho
Como se o teu olhar as sustentasse.


BARCOS

Dormem na praia os barcos pescadores
Imóveis mas abrindo
Os seus olhos de estátua

E a curva do seu bico
Rói a solidão.



Iremos juntos sozinhos pela areia
Embalados no dia
Colhendo as algas roxas e os corais
Que na praia deixou a maré cheia.

As palavras que disseres e que eu disser
Serão somente as palavras que há nas coisas
Virás comigo desumanamente
Como vêm as ondas com o vento.

O belo dia liso como o linho
Interminável será sem um defeito
Cheio de imagens e conhecimento.



Os dias de verão vastos como um reino
Cintilantes de areia e maré lisa
Os quartos apuram seu fresco de penumbra
Irmão do lírio e da concha é nosso corpo

Tempo é de repouso e festa
O instante é completo como um fruto
Irmão do universo é nosso corpo

O destino torna-se próximo e legível
Enquanto no terraço fitamos
           [O alto enigma failiar dos astros
Que em sua imóvel mobilidade nos conduzem

Como se em tudo aflorasse eternidade

Justa é a forma do nosso corpo

 Foto J. Moedas Duarte - Porto Novo, T. Vedras


De novo o som o ressoar o mar
De novo o embalo do tumulto mais antigo
E a inteireza de instante primitivo

De novo o canto o murmurar o mar
Que se repete intacto e sacral

De novo o limpo e nu clamor primordial


(Poemas de Sophia, OBRA POÉTICA, Ed. Caminho, Alfragide, 2010)


Foto J. Moedas Duarte - Litoral de T. Vedras


FALANDO DE SOPHIA


SOPHIA NO PANTEÃO - “Em declarações ao Diário de Notícias, Maria Andresen, filha da poeta, mostrou-se céptica em relação a esta trasladação: "Retiraram a poesia da minha mãe dos currículos escolares para lá colocarem poetas menores, considero mesmo que há uma tentativa subterrânea para a obliterarem. Ainda recentemente um poeta português foi galardoado com o prémio Rainha Sofia e não houve por parte dos media uma única referência ao facto de a minha mãe ter sido a primeira portuguesa e a primeira mulher a recebê-lo..." (DN 2/07/2014)

POÉTICA - Um eixo semântico atravessa a poética de Sophia de Mello Breyner Andresen: o do enlace, súbito ou repetidamente buscado, com o «inicial» e o «primeiro». Poema a poema somos remetidos para o «limpo», o «intacto», o «inteiro», o «puro». A poesia é aqui dicção , peremptória do original, assombro perante a solenidade com que o visível refulge (ou pode ainda refulgir), justo e sem pregas, susceptível de descoberta. Esse é o seu ethos.( José Tolentino Mendonça. In: Evocação de Sophia. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009)

O RESTO É INDIFERENTE - Uma das últimas entrevistas a Sophia de Mello Breyner Andresen, se não mesmo a última, apareceu numa pequena publicação católica chamada "Cidade Nova". As perguntas eram telegráficas, mas completamente centradas na ética da existência (tão cara a Sophia). E eram perguntas do tipo: «Se tivesse a força para mudar qualquer coisa, o que mudaria?»; «De que tem medo nesta vida?»; «Tem uma obra muito extensa, isso significa que foi muito feliz?»; «Que considera mais importante na vida?». As respostas de Sophia têm o impacto e a clareza definitiva que se espera de um testamento, que é, no fundo, o que aquela entrevista constitui. Quando Joaci Oliveira, o entrevistador, lhe pergunta: «Que gostaria de ver realizado em Portugal neste novo século?», a poeta dá uma resposta veemente, que deveríamos acolher como um legado (político, poético, civilizacional): «Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres. Mais justiça para os pobres e menos ambições para os ricos. O resto é-me indiferente».(José Toentino Mendonça, Expresso, 25.1.2014)


ÉTICA RADICAL - «Devemos a Sophia a nitidez da dicção, o paganismo visionário, um ímpeto de ética radical, o sentido trágico da existência (não isento de religiosidade), um genuíno empenho nas causas sociais e o espontâneo convívio das coisas e dos seres» (Eduardo Pitta – Aula de poesia. Lisboa: Quetzal editores, 2010)

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Os textos e alguns destes poemas fazem parte da página LUGAR ONDE, semanário BADALADAS, de Torres Vedras, publicada por mim em 18 /07/2014, 

                                                                                                                                                                 

7.7.14

DE NOVO A QUINTA DAS LAPAS




Vai ser o tema do próximo CHÁS DE PEDRA, em Santa Cruz, na Azenha.
Lá estarei com a Manuela Catarino para falarmos sobre o lugar, a família e algumas histórias - em que o tema geral é a Quinta das Lapas.
Ficam algumas imagens para aperitivo.










Fotos(C)Moedas Duarte