30.9.11

TENTAR PERCEBER... IR AO FUNDO DA QUESTÃO (FILOSOFICAMENTE FALANDO...)

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* * *

José Gil vai mais fundo na análise ao "fenómeno da Madeira".
É uma velha questão.  Willelm Reich escreveu há muitos anos: " Tão importante como saber as razões da ascensão do fascismo, é percerber porque é que milhões de pessoas o apoiaram."

Porque é que Alberto João Jardim continua a ganhar eleições por maioria? Que faz com que milhares de pessoas o aplaudam? Que fenómeno leva os mais altos responsáveis da República a "dar-lhe o desconto" - e, na prática, a serem coniventes? Como é que aquele homem continua Conselheiro de Estado e se vai sentar com os outros Conselheiros na próxima reunião já anunciada pelo Presidente da República?

Leia-se o texto de José Gil publicado ontem na VISÃO:


O DESCARAMENTO

 Quando se ultrapassa o limite fixado e aceite pelo outro (a opinião pú­blica, por exemplo) e este não re­age e até aprova, abre-se um vasto campo de comportamentos «ilícitos» - da sedução individual à corrupção social. O que se abriu assim estava lá, já era admitido e, quiçá, desejado pelo outro. A esse campo do «ilícito» tornado legítimo pela ausência de sanção e pela aprovação do comporta­mento transgressivo podia-se chamar «a zona do descaramento permitido».

Mas o descarado não ultrapassa apenas a norma comummente aceite. Ultrapassa-a expondo-se ou melhor, expondo o que nele estava já «fora da lei» mas se mantinha escondido. É pois uma dupla transgressão que opera o descaramento - mostra de si o que não devia e mostra que não tem escrúpulos em quebrar abertamente a norma. Mostra um duplo rosto - o da sua pessoa moral e o da sua pessoa cívico-jurídica - que coincidem num só rosto transgressivo. Ao expor a cara exibe ao «público» (porque se forma uma «cena») a «coragem» individual de revelar o que, segundo as convenções e as boas regras da convivência, deveria ficar na sombra.

 A transgressão pública de «dar a cara» reflui sobre a cara individual, dando-lhe uma dimensão incomum. «Ele tem um estofo invulgar», o que, por sua vez, se reflete na figura pública do descarado: este adquire assim uma autoridade que sub­verte a relação normal com a lei. Porque foi além dela e porque o seu ato transgres­sivo foi aprovado pela coletividade, a sua vontade eleva-se acima da lei. O descarado do princípio, quer dizer aquele que se arriscava a «perder a cara» ou a «face», ganhou um rosto mais denso, mais impessoal e misterioso, como se a sua própria cara se tornasse o rosto de uma instituição - a que todos devem agora veneração, respeito, temor e talvez amor. O efeito reflexivo da dupla transgressão lavou a cara indivi­dual, tirou-lhe os traços transgressivos e contingentes e ofereceu-lhe aura, carisma, autoridade indiscutível e impunidade.

 Este processo é um mecanismo de transformação de forças (também psicológicas) em «vontade de poder» como diria Nietzsche ou, na terminologia de Foucault, de captura de relações de forças livres para a construção de dispositivos de poder. O descaramento faz parte do processo de elevação de um sujeito comum a, eventualmente, um condottiere político. Transforma aquele a quem primeiro se devia aplicar a lei em «descarado» absoluto, sem rosto ou com o rosto de Deus, redimido e redentor, o Pai do Povo, o Grande Líder. Kadhafi, que mata o seu povo e acusa a NATO de bombardear civis. Mecanismo fundamental de um certo tipo de demagogia na conquista do poder. Mas o mecanismo é geral: vemo-lo em ação no pequeno diretor-geral, no chefe de repartição, no jogo sádico e quase psicótico do velho porteiro que há 20 anos insulta o seu cão.

Nós tivemos agora um exemplo claro de como funciona esse processo na Madeira. Aí o discurso do descaramento tem outras complexidades:

 1. Junta-se-lhe uma componente paranoide de ataque ao «Continente», «ao inimigo exterior», o Mal que justifica que se «oculte» os milhões de dívidas do Governo regional e que se o proclame bem alto porque a dívida da região «não é nada comparada com a pouca-vergonha do Continente», pois «as nossas [dívi­das] estão bem à vista, as deles comeram, beberam e foram-se pelo cano do esgoto abaixo.» O descaramento é uma fuga para a frente: ocultámos as dívidas e dizemo-lo porque as nossas «estão à vista» - contra­dição legítima porque

2. o descaramento é também afirmar hoje uma coisa e negá-la no dia seguinte. («Deem-nos a independência!» e, mais tarde: «Foi um desabafo, não há mais português do que eu!»)

O chefe do Governo da Madeira está acima da lógica e das limitações da realidade («Estou-me nas tintas para a Moody’s») podendo enxovalhar, humi­lhar, insultar as mais altas instâncias do Estado, sem que ninguém lhe responda. Como quem manda agora é a troika e não os «cubanos», será que esta situação terá um fim? | José Gil, (VISÃO 29 set 2011)


28.9.11

IGNÓBIL ! !



Leio no PÚBLICO: "Governo suspende prémio de 500 € aos melhores alunos a dias da cerimónia de entrega." Confirmei na Antena 1.
Não quero acreditar!
Os melhores alunos do E Secundário iriam receber na sexta-feira um prémio pecuniário, como estímulo ao seu empenho e aproveitamento escolares, mas o Governo decidiu cancelar a entrega com o pretexto da crise. Parece ainda que o Governo vai aconselhar os jovens, a quem foi feita esta afronta, a doarem esse dinheiro para fins assistenciais.
Que chamar a isto?

Curiosamente, acabo de levar ao aeroporto um jovem que está a acabar o doutoramento em Geologia e que num concurso internacional foi admitido numa Universidade de Melbourne, na Austrália, onde vai trabalhar como professor/investigador, com um contrato de três anos.
Apesar do desconforto e da tristeza da partida, esse jovem confidenciou-me: "ainda bem que vou para bem longe disto tudo..."
Entendi. Este país não merece os seus jovens.
Vou ter muitas saudades tuas, João, mas fico aliviado ao ver-te partir.

25.9.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - UMA TARDE NO CONVENTO DO VARATOJO



CONVENTO DO VARATOJO

 Paredes brancas
recantos de sombra
ogivas    colunas
falas antigas
 escondidas sob a pedra
séculos
de sereno repouso

Uma brisa leve
não acorda o  sono de tantos passos
que aqui passaram

erguido contra o tempo
convento
silêncio de pedra e tempo
(Méon)













FOTOS © MÉON


Convento franciscano de Santo António do Varatojo (situado na aldeia de Varatojo, nos arredores de Torres Vedras), fundado por D. Afonso V em 1470.
Em atividade desde a fundação até aos nossos dias, com dois curtos períodos de interregno: no sec. XIX, com a extinção das ordens religiosas; e aquando da implantação da República.
Neste momento estão lá 16 religiosos, nove veteranos e sete noviços.

22.9.11

JANELA, MALUDA E O'NEIL

Maluda, Janela 38 (Elevador da Bica) de 1997

PERSIANA PARA JANELA DE MALUDA
Alexandre O'Neil

Esta janela já não tem enredos,
ninguém por ela espreita, ninguém espera
vê-la semicerrar, semiabrir
o olhoblíquo verde do ciúme;

nem por ela passarão as trajectórias
do suicida e do escalador.
Romeu morreu e a doce expectação
de Julieta é comprimido sono.

Sequer uns braços nus de janeleira,
hasteAda brancura, nela podem
demorar o gozo dum voyeur,
que esta janela já não serve para...

Esta janela é uma finta, é uma jogada
no xadrez de quem a pinta e assina.



Alexandre O'Neil, POESIAS COMPLETAS 1951/1983,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2ª ed. Lx 1984






20.9.11

A SOMBRA DOS ELOENDROS

Caminho do Barro, Torres Vedras (Foto © Méon)

No céu de cristal puro arfam asas.
O ar rescende à flor dos eloendros.
Do campo quente sobe um largo bafo,
como que de abandono ou de fogueiras.
Aqui até as sombras são vorazes.

 Poema de Armindo Rodrigues, in:
Ocasional a Vida, Dom Quixote,
Lisboa, 2004


16.9.11

O CONSELHEIRO DE ESTADO

Imagem da net


Este homem faz parte do Conselho de Estado, órgão de consulta do Presidente da República. Veja-se o que diz a Wikipédia:


«O Conselho de Estado é o órgão político e consultivo, de consulta, do Presidente da República de Portugal.
A Constituição determina que o Conselho de Estado se reunirá a pedido do Presidente da República quando este decida dissolver a Assembleia da República, demitir o Governo e declarar a guerra ou fazer a paz. Nestes casos o parecer do Conselho do Estado é obrigatório mas não é vinculativo; assim o Presidente da República deve ouvir a opinião dos Conselheiros mas a decisão presidencial é sempre livre e soberana. Fora dos casos referidos o Conselho de Estado pronuncia-se sempre que para tal for solicitado pelo Presidente da República.
Compete ao Conselho elaborar o seu Regimento, sendo que as suas reuniões não são públicas.
Os Conselheiros de Estado gozam de imunidade como sinal de máxima honra do cargo que ocupam. Assim um Conselheiro de Estado apenas pode ser presente a juízo com autorização prévia do Conselho que levante a sua imunidade. Ao contrário da imunidade dos Deputados da Assembleia da República que é obrigatoriamente levantada quando o crime em causa é punível com pena superior a 3 anos de prisão, a decisão do Conselho de Estado quanto ao levantamento da imunidade de um dos seus membros é livre; em caso de recusa o membro suspeito apenas responde em Tribunal quando deixar de ser Conselheiro de Estado.»

Como Conselheiro de Estado, A J Jardim goza de imunidade.
Daí a arrogância com que confessa em público o desrespeito pela Lei das Finanças Regionais, como acabei de ouvir há pouco. 
Perante isto, e apesar de reconhecer a gravidade da situação, Passos Coelho encolhe os ombros e diz que o problema é do PSD Madeira e dos eleitores da ilha.
Idêntica cobardia revelou Cavaco Silva. Incapaz de uma opinião frontal, refugia-se num discurso enxundioso que, na prática, desculpabiliza a actuação infame do soba da Madeira.
Esta gente deve pensar que os portugueses são imbecis.
Não são! Têm é uma inaudita paciência para aturar isto.

MOER A PACIÊNCIA...



«Um amigo chegou junto dele:
- Parece que o teu pai teve um grave desastre... está muito mal... em coma... pernas e braços partidos...
Em pânico, ligou para o hospital e quis saber notícias. Ouviu e respirou fundo:
-  Uf! Que susto!! Afinal ele só partiu as pernas! Ainda bem!...»


Ouvi há pouco nas "notícias" que o Governo pode aumentar o preço da electricidade em 30% a partir de Janeiro.
Assim, quando chegarmos a Janeiro e a conta da luz aumentar "apenas" 20%, vamos respirar de alívio. Uf! Que susto!

12.9.11

PASSEANDO NO OESTE


O convite era atraente.
Partida às 9 H, percurso de 12 kilómetros, paragem pelo meio, para abastecimento de água e fruta.
Foi uma manhã de sol, pêra-rocha e uvas, paisagens variadas, animais no pasto, aldeias e casais pelas encostas das colinas do Oeste estremenho. No final, a foto do grupo junto ao cruzeiro da Ventosa.
Mais uma bela organização da Associação de Marchas e Passeios do Concelho de Torres Vedras.


A bela uva preta... ( que casta será?)



Casal do Castelão

Ermida do Cadoiço


Fonte e bomba de água, na aldeia do Cadoiço

Mudança de cor nos vinhedos

Moinhos do Bonabal

Dentro do moinho -1

Dentro do moinho - 2

Dentro do moinho - 3

Dentro do moinho - 4

Dentro do moinho - 5

Caminhando

A névoa da manhã...

Ventosa ao longe

Pomares carregados de pêras, a saberem a sol...

Ti Armindo e o seu rebanho

Lavrada de fresco

Pensativo, como sempre...

Tranquilamente

E mais vinhas...

Perto do abastecimento

Mesa posta!

Olha-me este! De carroça!

Continuemos... já falta pouco...

Mummmm....

Fim de linha. Só falta dar uma olhada à Igreja...



Já no regresso a Torres Vedras,
um último olhar às vinhas que começam a amarelar

***

10.9.11

AS VARINAS DE CESÁRIO

Cais da Ribeira, Lisboa, 1898

(...)
Vazam-se os arsenais e as oficinas,
Reluz, viscoso, o rio; apressam-se as obreiras;
E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,
Correndo com firmeza, assomam as varinas.

Vêm sacudindo as ancas opulentas!
Seus troncos varonis recordam-me pilastras;
E algumas, à cabeça, embalam nas canastras
Os filhos que depois naufragam nas tormentas.
(...)

Cesário Verde, O sentimento dum ocidental



9.9.11

EMBALO DE ÁGUA


(...)
Deixa-te estar neste embalo de água gerando círculos...
Nem é preciso dormir para a imaginação desmanchar-se em figuras ambíguas...
Nem é preciso fazer nada para se estar na alma de tudo...
(...)

(in: A poesia da "Presença" - Estudo e antologia
Adolfo Casais Monteiro
Livros Cotovia, Lisboa, 2003)
Foto © Méon: Beira Tejo, set 2011

3.9.11

UMA DAS ÚLTIMAS ALDEIAS PALAFITAS DO TEJO



Situada no concelho de Apiarça, à beira Tejo, a aldeia palafita do Patacão é o último testemunho genuino dos pescadores avieiros do Tejo. Abandonada há cerca de 20 anos, esta aldeia de casebres de madeira resiste ainda, apesar das arremetidas das intempéries e da onda avassaladora da vegetação que quase a tinha engolido. Há cerca de um mês foi feito um grande trabalho de limpeza e pudemos vê-la hoje como já não a víamos há muito.







Debaixo de uma das casas resta ainda uma velha bateira, o característico barco dos avieiros






Da janela avista-se a "maracha" da margem, com seus choupos e salgueiros



E a seguir é o Tejo, o magestoso e largo rio Tejo... 




Memórias de um tempo ausente...
As famílias de pescadores, tão bem retratadas por Alves Redol no seu romance AVIEIROS
habitaram as margens do Tejo entre Vila Franca de Xira e Constância desde os finais do século XIX  até aos anos 80 do século XX. Vindos da perigosa labuta pesqueira das costas desabrigadas do Atlântico, estes pescadores encontraram no Tejo uma forma de sobrevivência menos dura. Inicialmente faziam dos seus barquitos a própria casa, que abrigavam à noite sob os ramos dos salgueiros. Mais tarde foram-se fixando nas margens, em barracos de madeira sustentadas em pilares, o que lhes permitia resistir às frequentes "cheias" do Tejo que alagavam as margens e se espraiavam num imenso lago pelos campos entre a Golegã e Santarém. 
Destes avieiros pouco resta hoje, a não ser a memória dos lugares onde habitaram e os testemunhos que têm vindo a ser recolhidos por muitos investigadores, num movimento tendente a propor a Cultura Avieira a Património Nacional.


[Fotos © Méon]