30.1.11

ENXADA

Meus avós cavaram duramente a terra. Não por desporto em jardim de vivenda mas para granjear o sustento. Em jorna paga ou no seu quinteiro. Ainda peguei nalgumas das enxadas com que revoltavam a terra e mal as levantava. Peso de chumbo.

Hoje encontrei por aqui uns versos que vêm a propósito. Uma composição popular, na saborosa forma de "décimas", em que  quatro estrofes de dez versos glosam a quadra inicial. Cada um dos versos da quadra fecha a estrofe que o desenvolve, numa engenhosa e bem ritmada estrutura de rima.


Fui nova, cortante enxada,
Desbravei, cavei o chão,
Fui sucata abandonada,
Ando agora num canhão!


Quase me lembro de ser
A pedra dum mineral
E lembro-me a luta fatal
Do braço p’ra me colher;
Levaram-me a derreter,
Fui em ferro transformada,
Fui depois à martelada
Numa bigorna estendida,
Deram-me a forma devida
Fui nova, cortante enxada.


Comprou-me um moço posssante,
Pôs-me um cabo de madeira
E lá vou na segunda-feira
Nos braços desse gigante;
Desde esse dia em diante
Foi a minha profissão
Desbravar terras de pão,
Relvas, vinhas, olivais,
Vinte anos, talvez mais,
Desbravei, cavei o chão.


Começava de manhã
Sempre em luta vigorosa,
Mesmo em terra pedregosa,
Cada vez com mais afã,
Resisti enquanto sã
A poder ser consertada,
Já rasinha e dilatada,
Deixei de ser ferramenta,
Fui p’ró canto ferrugenta,
Fui sucata abandonada.


Passei anos sem valor
Com velhos ferros como eu,
Até que um dia apareceu
Lá por casa um comprador;
Meteram-me num vapor,
Fui a nova fundição,
Por meu destino ou condão
Nunca mais cavei na terra,
Mandaram-me para a guerra,
Ando agora num canhão!

Uma décima de Manuel de Castro,
da vila alentejana de Cuba

29.1.11

A PINTURA DE ANTERO VALÉRIO



Antero é bem conhecido como cartoonista de mérito, comentador sagaz das contradições das ministras de educação e do maestro primeiro-ministro. O blogue ANTEROZÓIDE tornou-se visita obrigatória para quem gosta de ver o lado jocoso da coisa...

Mas Antero é prof. de Educação Visual, move-se na área das artes e tem outras coisas a mostrar.
Visitei a sua Exposição de pintura, aberta hoje ao público na Galeria da Cooperativa de Comunicação e Cultura de Torres Vedras,  sob o titulo de "(in)finitos".
Pareceu-me que têm força, unidade no estilo e nos processos. No catálogo há linhas de leitura que nos ajudam a olhar:

«(...)
A pintura em Antero Valério nasce de uma sobre­posição de camadas de sentido que acompanham a sedimentação dos materiais que se acumulam no seu fazer. É uma pintura em que o processo está presente, em que o gesto é tornado visível e em que a matéria se torna superfície. É também uma interrogação da própria pintura e dos seus limites. Ao introduzir o volume, Antero Valério questiona a bidi-mensionalidade associada à representação pictórica e deixa as formas ganharem corpo no sentido volumétrico do termo. São também aquelas em que a geometria tem uma presença mais forte, mas uma geometria de carácter mais afectivo, a recusar a frieza e certeza da representação rigorosa das formas e do espaço. Esta geometria afectiva surge assim como um modo de ordenamento espacial numa lógica mais próxima da tentativa e erro que da certeza e da medida.
(...)» (Francisco Feio)

28.1.11

SOPHIA, ONTEM E HOJE



Na Fundação Gulbenkian está a decorrer o Colóquio Internacional sobre Sophia de Mello B. Andersen. Um aconteciemento, a marcar a entrega do espólio da escritora à Biblioteca Nacional.
Corolário do trabalho importante realizado pela filha, Maria Andersen, sobre esse espólio, como ficou patente no programa da RTP 2, Câmara Clara, no passado Domingo, 23 de Janeiro, em que foi convidada de Paula Moura Pinheiro, como se pode ver AQUI.
Entretanto saíu o JL (Jornal de Letras, Artes e Ideias) cujo tema de capa é "Sophia continua".


*   *   *   *   *   *   *   *   *            

Toda a escrita de Sophia é luminosa e transparente, reconheço-o de novo ao reler as suas "Artes Poéticas", porta de entrada principal para o seu universo interior. Como esta:


ARTE POÉTICA — II
A poesia não me pede propriamente uma especialização pois a sua arte é uma arte do ser. Também não é tempo ou trabalho o que a poesia me pede. Nem me pede uma ciência nem uma estética nem uma teoria. Pede-me antes a inteireza do meu ser, uma consciência mais funda do que a minha inteligência, uma fidelidade mais pura do que aquela que eu posso controlar. Pede-me uma intransigência sem lacuna. Pede-me que arranque da minha vida que se quebra, gasta, corrompe e dilui uma túnica sem costura. Pede-me que viva atenta como uma antena, pede-me que viva sempre, que nunca me esqueça. Pede-me uma obstinação sem tréguas, densa e compacta.

Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema fala não de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silên¬cio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, per-fume da tília e do orégão.
É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato.
É o artesanato que pede especialização, ciência, trabalho, tempo e uma estética. Todo o poeta, todo o artista é artesão de uma linguagem. Mas o artesanato das artes poéticas não nasce de si mesmo, isto é, da relação com uma matéria, como nas artes artesanais. O artesanato das artes poéticas nasce da própria poesia à qual está consubstancialmente unido. Se um poeta diz «obscuro», «amplo», «barco», «pedras» é porque estas palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua ligação com as coisas. Não foram palavras escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua realidade, pela sua necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança. E é da obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o «obstinado rigor» do poema. O verso é denso, tenso como um arco, exactamente dito, porque os dias foram densos, tensos como arcos, exactamente vividos. O equilíbrio das palavras entre si é o equilíbrio dos momentos, entre si.
E no quadro sensível do poema vejo para onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.

[Sophia de Mello Breyner Andersen, OBRA POÉTICA, ed. Caminho, 2010]

27.1.11

JOÃO MOITA



"A palavra é a substância dúctil do silêncio".
Subitamente João Moita, meu conterrâneo de Alpiarça, irrompe pela minha casa com dois livros de poesia e afirma-se com voz poderosa e inesperada: O VENTO SOPRADO COM SANGUE(2009) e MIASMAS (2010).
Eu já AQUI lhe tinha feito referência em 22 de Agosto de 2009.

A melhor forma de te agradecer a oferta, caro João Moita, é dar pública forma ao meu apreço.
Assim:


É no zimbório que a palavra se insinua e eleva além do sentido.
É do alto que ela zela pelo silêncio
até não se ouvir mais que o cobre soprado pelo vento
e uma cabeça furiosa aspergindo o seu ácido branco.

Aqui não há lugar para gárgulas envenenadas.


In: O Vento Soprado Como Sangue

***********************

Endereço do blogue de João Moita:

26.1.11

Celebração aos 4 sentidos



Agora a sério!
Vale a pena partilhar isto...

A PROFECIA MAIA PARA 2012 - Se é impressionável não leia!


Vai por aí um grande alarido com as calamidades que nos esperam em 2012, o ano profetizado pelos Maias para acontecimentos espantosos, aterradores. Veja-se AQUI, por exemplo. Ou AQUI.

A verdade é que tive há dias um encontro com alguém que me entregou o seguinte relato:

«No passado dia 15 estava eu na marquise a engraxar os sapatos quando comecei a ouvir estranhos ruídos dentro do armário das ferramentas!
Uma luz arroxeada saía de baixo da porta e quando tentei abri-la, senti uma onda de choque tão poderosa que tive de me agarrar à mangueira da máquina de lavar.
Tentei chamar alguém mas a minha voz só produzia um silvo estridente numa tal frequência de onda que o vidro da marquise começou a liquefazer-se, escorrendo pela parede em forma de gel. Ao mesmo tempo espalhava-se um odor terrível, insuportável.
Caí inanimado e quando acordei vi, apavorado, que estava pendurado num gancho metálico dentro de uma câmara frigorífica de uma fábrica de torrão de Alicante. Eu transformara-me numa massa espessa de açúcar e banha, pronto a ser retalhado em cubos e empacotado para ser vendido na Feira de Bertandos la Guneda em Sevilha!
A custo consegui fugir e vim a correr, ainda a tempo de escrever este testemunho que é um ALERTA: em 2012 a Terra vai libertar-se da força de gravidade que a liga ao Sol e aos outros planetas e será projectada a uma velocidade alucinante para o centro da galáxia de Wander-Horg onde se transformará num enorme paralelipípedo ao serviço de um Ente de que não posso dizer ainda o nome.
É aterradora a nossa ignorância e inimaginável o nosso futuro! Mas eu tive a revelação destas verdades e vou divulgá-las por todos os meios ao meu alcance. Por favor, ponha isto no seu blogue!.»
Não estou a brincar. Os acontecimentos do passado Domingo são já o prenúncio do que nos espera...

24.1.11

PRESIDENCIAIS: DIZER UMAS LÉRIAS...

F



Fechada a televisão, noite dormida, novo dia. O primeiro do segundo mandato de um Presidente previsível. Um homem que foi primeiro-ministro durante dez anos, tem cinco de Presidente, e é profissional da Economia e das Finanças, não foi capaz de me esclarecer sobre a crise em que vivemos, sobre a maneira como actuam os tais “mercados”, sobre a falta de competitividade da nossa economia, sobre as soluções para o desemprego.
Mas é um homem honesto, apesar de só ter nascido uma vez! Quem sou eu para contestar? A maioria que nele votou acha que ele é que é o homem certo, então, tá bem…

Os outros candidatos?

M. Alegre acreditou que se pode servir dois senhores sem perder a cara. Não sei se vai aprender alguma coisa com o desastre… Se tiver juízo mete o papel para mais uma reforma e vai pescar trutas em paz.

F. Nobre roçou o ridículo quando falou que só não ia para Belém se lhe metessem um tiro na cabeça. Não foi preciso ninguém disparar. Vai guardar o meio milhão de votos para fazer o quê? Mas voltará a assumir as funções de Presidente da Assembleia Geral do tal  Instituto de doutrina monárquica, estou certo.

F. Lopes, quem o ouvisse ontem, diria que tinha tido uma vitória estrondosa. Não lhe passa pela cabeça tentar perceber porque é que “os trabalhadores e o povo” não votaram massivamente nele. Quando é que os comunistas portugueses serão capazes de uma reflexão sobre o isolamento político em que vivem, iludidos com o êxito anual da festa do Avante, que nunca tem correspondência nas urnas?
O tal Coelho saiu mesmo da cartola! Só pela azia que provocou ao bokassa da Madeira valeu a pena o trabalho.
Quanto ao Moura, foi o que se esperava. Nem me apetece dizer nada. Tá na hora do almoço…

22.1.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - ERMIDA DO SENHOR DO CALVÁRIO




Uma tarde destas fui até lá com o Luís Filipe, a tirar fotografias na nova máquina. Campos e casario, neblina e colinas verdes, igreja e solar de quinta. Lá no cimo a Ermida e algumas mulheres de olhos baços e preces tristes.

Dias depois, no rescaldo, ele enviou-me um poema e eu respondi com uma réplica.
Não se vai impunemente ao Senhor do Calvário.

                                                                        +

O SENHOR DO CALVÁRIO EM MATACÃES


Memento, homo - são gente suplicante
quase um simples sopro indo - quia pulvis es.
Haja uma luz iluminando o corpo jejuado
e mais silêncio na quaresma em cada um
para a ondulação bater forte nos olhos
atraídos por aquelas fragas, ó força do tempo!

Por aí adiante em procissão assim seja
caminhantes no meio do verde e muita cruz
em três de maio per omnia saecula saeculorum
até ao cimo onde um homem pergunta quem é Deus?
Deus é assim, quem quer que seja ouve
onde quer que se esteja, coisa nossa.

Chegados ao santuário só louvor
sit nomen Domini benedictum. Louvor e luz
olhando a Senhora da Oliveira e o Juncal
com o casario deslizando na encosta
ainda a Fórnea e a Portucheira a um passo
vai a pequena cristandade em rogos jungida:

kyrie eleison kyrie eleison kyrie eleison.

Luís Filipe Rodrigues

                                          *


PRECES  NEBLINAS


Alongo os olhos e a neblina paira
na dobra da colina
Ermida de cal 
e sino de chamar
altar de devoção desesperada
no cimo da procura

Mulheres de aflição e prece
em xailes de mortalha
com cheiro a velas e azulejo antigo
murmuram contas de rosário
por almas de outros tempos

Há quantos séculos vai morrendo
ali dependurado
o senhor
que dizem do Calvário?

Ao fim da tarde
elas vão saindo
em xailes de silêncio
e a cal da ermida
apaga-se com as velas

Lentamente se diluem
no crepúsculo
preces      neblinas   contas de rezar

Eu

21.1.11

É A HORA






NESTA HORA

Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade

Meia verdade é como habitar meia quarto
Ganhar meio salário
Como ter direito
A metade da vida

O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe

A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados

Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar

Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
-- Sob o ausente olhar silente de atenção

Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste


Sophia de Mello Brayner Andresen

 Ao meu amigo Cid, fornecedor atento de boa e oportuna poesia...

19.1.11

COME E CALA!



 
Durante anos incentivaram-nos a comprar a crédito, a contrair empréstimos a juros baixos, a comprar automóveis potentes, a destruir os meios de produção agrícolas e industriais, a consumir desenfreadamente, pois "isso alimentava a economia" - diziam eles...
Agora, os mesmos repetem todos os dias que consumimos acima das nossas possibilidades! Que gastamos de mais! E há economistas portugueses a repetirem isto. Todos os dias. Um deles até quer continuar a ser Presidente da República…

Se o povo se sentir culpado, come e cala...
come e cala...
come e cala...
come…
cala…

16.1.11

RECORDAR AGUSTINA BESSA-LUÍS

Foto CORREIO DO PORTO


Gosto de revisitar Agustina, esse grande território da nossa Literatura.
Ausente da escrita - teve um AVC em 2006 - mais viva do que nunca nas páginas que nos deixou. Hoje encontrei esta carta dela. Pequena maravilha, não é?

"Carta a Eugénio de Andrade, por Agustina Bessa-Luís (25.06.2005)"


«Querido Eugénio

O melhor não são os sentimentos nobres das pessoas, mas o ácido prazer de amar seja o que for. Uma longa viagem nos une e nos separa. Nunca trocámos cartas porque essa débil força da confidência esteve sempre para nós fora de moda. Nunca deixámos que as palavras nos dessem lições. As palavras são como caminhos, umas vão dar a qualquer sítio que não nos importa conhecer; outras não servem para nada, e são as melhores.

A poesia não é feita de palavras, mas da cólera de não sermos deuses.

A Grécia, como a conhecemos, isso é que é poesia. O vento no fim da tarde em Delfos, o olival até ao mar, duma cor que já não me lembro. Nós não éramos profanos, mas argonautas em terra. Tenho ainda o medalhão de ouro, com Atena esculpida e a coruja ao lado. Tanta formosura para tão poucos iniciados!

Estou aqui a pensar que vou construir uma casa numa árvore do jardim, para navegar ao largo como o capitão Slocum, num iole de 12,70 toneladas de peso bruto. Daqui ao cabo Horn é um pulo. E sempre nos acenam os que ficam em terra, os lenços agitados pelo bom vento da costa. Somos navegadores solitários tentando não embirrar com o presidente do Transval que acredita que o mundo é plano e que não pode haver a volta ao mundo.

Um bom sorriso, e está bem assim.»

[ Retirada do blogue SAL DA LÍNGUA ( http://saldalingua.wordpress.com/2009/12/29/o-lugar-dos-amigos-agustina-bessa-luis/#comment-149), acedido em 16 /01/2011.]

14.1.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - Capela do Senhor do Calvário e paisagens

No Oeste estremenho não há xerifes, nem cóbois nem saloons...
Há outras coisas...
Ontem andei pelas aldeias de Matacães - com seu santuário do Senhor do Calvário - Ribeira, Abadia, Ereira, Loubagueira...
Havia neblinas a velarem os montes, envolvendo-as numa gaze de nuvens...





Igreja e Quinta do Juncal vistos da ermida


Matacães ao sol, vista da Ermida do Senhor do Calvário.Em tempos tentou-se mudar o nome para Aldeia de Nossa Senhora da Oliveira, mas não pegou.




Entre Matacães e Ereira, a neblina brincava com as dobras dos montes...
Fotos © Méon, Janeiro 2011
   

11.1.11

PRESIDENCIAIS, CÁ PARA MIM...



Vou falar das próximas eleições. Desculpem estes desabafos, se não interessarem, passem adiante.

A última vez em que me envolvi activamente numa campanha eleitoral foi nas Presidenciais de 1986, em prol da candidatura de Maria de Lurdes Pintasilgo. Foi aí que se deu a minha clivagem com o PCP, no qual entrara em 1975, e que abandonei definitivamente.
Olho para os candidatos em presença nestas eleições de agora e não me revejo em nenhum. Para mim o candidato ideal seria uma mulher da área da Cultura ou da Ciência, sem ligações directas a nenhum Partido. Na falta de uma mulher, um homem dessas áreas.
Por isso acolhi bem a candidatura de Fernando Nobre, quando ela apareceu em Fevereiro de 2010. Mas depressa me desiludi. F. Nobre é monárquico assumido, como demonstrei num post escrito na altura ( ver AQUI ). Para mim não faz sentido a sua candidatura, como não faria sentido um republicano propor-se para os Corpos Sociais de uma agremiação monárquica como é o Instituto de Democracia Portuguesa de que F Nobre é Presidente da Assembleia Geral e de que o Presidente de Honra é D. Duarte Nuno.

Posto isto, que outros candidatos me propõem?

Cavaco? Sou anti, por muitos motivos, que me dispenso de enumerar. Em resumo: não gosto do estilo, não gostei dele como Primeiro Ministro, não gosto da forma como enfrenta os problemas ( caso das escutas, caso dos Açores, agora o caso BPN).

Alegre? Admirei o poeta, não gosto da petulância e da pesporrência com que anda na política. Incapaz de pegar no milhão de votos das anteriores Presidenciais e fazer um movimento cívico autónomo, agora está entalado entre duas forças políticas antagónicas e tornou-se um caso patético, ninguém sabe onde está politicamente. De fugir.

Lopes? Um homem sério, coerente, mas que vive noutro mundo. Basta imaginar o que seria vê-lo na Presidência. O seu projecto político é o do PCP, que aponta para a albanização do país: saída do Euro, saída da União Europeia, auto-suficiência económica através da reconstituição dos nossos meios produtivos. A utopia em estado cataléptico.

Defensor de M? Poderia ser um bom candidato se... não estivesse imerso até ao pescoço na situação política. Deputado do PS, ex- Presidente de Câmara, defensor dessa outra utopia patética que é a Regionalização.

Resta o Coelho! Uma espécie de Tiririca português - sem a Florentina de Jesus. "Coelho ao poder" - proclama ele. Um puro, sem medo, ingénuo, bacano, teso.  A reencarnação do "Manuelinho" do tempo dos Filipes. Utopia, sim, mas sem disfarces. Por isso, se eu votar em alguém, é nele, ficam já a saber.

Subscrevo o que diz dele a jornalista Catarina Carvalho, do JN:

"(...) José Manuel Coelho é o candidato perfeito, pelo menos para jornalistas que ainda não se esqueceram que uma das sua principais funções é satisfazer a curiosidade do público. Um desconhecido, um homem do povo, estucador de profissão, ardina nas horas vagas, que se candidata a presidente, um deputado madeirense de um partido ultraperiférico que resolve saltar para o panorama nacional (coisa que o próprio Jardim nunca teve coragem de fazer), um ex-comunista que se 'aggiornou' e não tem medo de dizer que o regime que defendeu matou muitos milhões (coisa que o Partido Comunista Português nunca concedeu), um homem que fala sem as habituais papas que a concorrência coloca nas línguas dos candidatos que pretendem, ainda, fazer carreira na política nacional. (...)

"Papagueamos sobre a ausência de interesse da política e dos políticos, culpamo-nos pela falta de relação entre o povo e a classe dirigente, e quando irrompe um homem que não podia ser mais autêntico, até na sua honestidade de dizer que não está aqui para ganhar, o que lhe fazemos? Ignoramo-lo? Não. Pior que isso. Tratamo-lo como se fosse um candidato sério, igual aos outros. "

Jornalistas com créditos firmados como entrevistadores, como Judite de Sousa ou Henrique Garcia, fazem-lhe perguntas tão sérias como as dos outros candidatos, como se José Manuel Coelho precisasse do escrutínio democrático de qualquer candidato que tenha possibilidades de chegar a presidente. Nas duas entrevistas que deu, à RTP e TVI, pretenderam fazê-lo cair em contradições ou em soudbytes políticos. Quem precisa de soudbytes quando tem aquele slogan de campanha? Reportagens sobre reportagens descrevem as suas acções de campanha sem a mínima ironia...

José Manuel Coelho é o único fenómeno interessante destas eleições e a mim, que conjugo a dupla condição de jornalista e público, o que me interessa é a sua história, a história de um homem do povo que foi do PCP numa pequena ilha (antes e depois do 25 de Abril), que era o maior vendedor do "Avante" em Portugal, foi à União Soviética em 1981 a convite do "Pravda" e não gostou do que viu, um estucador com consciência política, com espírito crítico suficiente para ser anti-Jardim na hegemónica ilha da Madeira, e que, sabendo que será sempre minoritário, opta pela loucura como forma de oposição, uma loucura tão grande que o leva até à candidatura nacional à Presidência da República. Deste homem, não quero mais opiniões. Os factos chegam-me. Ou terá o sistema político e o seu espelho, o jornalístico, já esquecido de que matéria é feita a vida real? "

Nem mais!

Por isso, no dia 23, ou voto no "Coelho ao poleiro" ou faço duas diagonais sobre o boletim, de canto a canto, para afirmar o meu desencanto.

10.1.11

UM LIVRO DE POESIA


Pouco conheço da poesia espanhola contemporânea. Mas este livro chamou por mim na Livraria. Pela capa e pelas referências aos muitos prémios de poesia recebidos pelo autor. E o apelo foi maior quando verifiquei que Joan Margarit é arquitecto e professor de Cálculo de Estruturas numa Escola Suerior de Arquitectura de Barcelona.
Folheando este livro - Casa da Misericórdia - vemos como o ponto de partida desta poesia é o olhar sobre o outro e o que isso provoca no sujeito do olhar: amor, misericórdia, compreensão, partilha da condição. Intensamente humanista, esta poesia.
A edição é bilingue, com o original catalão ao lado da tradução portuguesa, ed. OVNI, 2009.
Um pequeno poema deste livro:


Chinelos


Ao levantar-se, primeiro senta-se na cama
e, olhando os pés brancos e descarnados,
põe-nos dentro dos seus chinelos.
Acordaram os sorridentes retratos.
Estende a mão para o confuso passado,
e sente entre os lençóis aquela mulher
que já há anos que é outra.
Sente o calor nos pés, que o faz pensar
no que sempre chamou um grande amor.


8.1.11

UM PRESÉPIO

Do meu amigo José Pedro
Todos os anos dá largas à sua criatividade. Este ano saíu assim. Predominância do espaço urbano da antiga Belém da Palestina.










7.1.11

ANEXINS POPULARES

(Foto aparvalhada de "Just smile", da net)


Aprecio a palavra "anexim". Faz parte do meu vocabulário prolixo, enxundioso e rebarbativo. (?!)
Daí o meu gosto por certos ditos populares transfigurados pela criatividade aparvalhada.

A propósito de um amigo artista que acompanhou mais um dos seus bonecos no facebook com a apreciação "aparvalhando", lembrei-me do que diz o povão e atualizei:

"Quem bem aparvalha, seus males espantalha!"
 Nem mais, ó Antero!

5.1.11

MALANGATANA



Telas profusamente habitadas de gente colorida. Uma força da Natureza, afirmando a vitalidade telúrica do continente africano. Era assim Malangatana. Morreu hoje.
Ver aqui mais pormenores.

RELEMBRANDO


Agora que estamos prestes a entrar em plena campanha eleitoral para as presidenciais, permito-me relembrar aqui o que se passou neste blogue em Fevereiro de 2010. Os comentários a um post
 que fiz sobre Fernando Nobre foram muito interessantes e esclarecedores. Veja-se:

O LUGAR NO TEMPO: A TRANSPARÊNCIA OPACA DO SR. FERNANDO NOBRE

Admiro a acção humanitária de Fernando Nobre, entenda-se! O seu perfil humano sensibiliza-me muito. Mas... trata-se de um homem de convicções monárquicas, publicamente assumidas, que se propõe para a Presidência da República. E isso deixa-me perplexo.
Entretanto, a questão monárquica, que eu saiba, nunca foi levantada em nenhuma entrevista com o candidato, o que acho estranho. Provavelmente sou eu que tenho os óculos embaciados...

3.1.11

IMAGENS DO MEU OLHAR

A FONTE VELHA DA EREIRA

Sair de Torres Vedras pela estrada do Sobral de M Agraço. A cerca de 4 km cortar para Matacães,


 junto à Igreja de Nª Srª da Oliveira seguir pela direita em direcção à Ribeira de Matacães. Passar à Zurrigueira,


avançar mais um pouco e chegar à Ereira, já na freguesia do Maxial. Logo à entrada, por trás do moderno lavadouro público, do lado direito da estrada, encontra-se este pequeno fontanário rústico, com água sempre a correr. E que água!




Ao longo da estrada dá para concluir que a beleza da paisagem é inversamente proporcional à fealdade dos topónimos...



Caminho florestal à direita da estrada.Apetece caminhar por ali fora...
Fotos©Méon