27.2.11

ESCRITA E SAPATOS

Pedro Támen sente a passagem dos anos, como pudemos ver na entrevista à LER. É a vida...
Mas os poetas têm arte de dizer o que é experiência de toda a gente. E PT escreveu O LIVRO DO SAPATEIRO.
É assim que ele se vê: um solitário à banca de trabalho, manejando linhas e sovelas, colas e tesouras, solas e borrachas, pregos de tomba e vira. Sapateiro. À moda antiga, como os conheci, sentados no banquinho, mãos hábeis onde os outros põem os pés. "Ó mestre, quando é que me entrega o arranjo das meias-solas?"

Artesanato puro, sapateiro ou poeta. Os dias passam, como os transeuntes na calçada,  e o artesão à banca em seu ofício. O júri do Correntes d'Escrita 2011 gostou da extensa metáfora em 49 poemas e deu-lhe o Prémio.

Pequeno livrinho da D. QUIXOTE que abro ao acaso:

E no entanto chega luz,
uma estranha, inesperada luz,
à catacumba onde estou vivo
por força destas mãos.
Da matéria que afago à minha frente
irrompe ou brota uma solar,
uma ardente e sereníssima claridade,
de que me valho ao ver o universo,
vendo e vivendo os dias que passaram
e os que em nascer persistem.

26.2.11

TEMPO P'RA TUDO! AGORA É REINAÇÃO!


Mais daqui a nada lá andaremos no Largo da Graça de BARRETE na mão e na cabeça!
Não temos a culpa, quem de direito é que decretou "carnaval todo o ano".
E BARRETES, então...

Ó freguês, olhó barato! Um euro por uma revistinha só p'ra rir!
E quem não sabe ler vê bonecos!

23.2.11

HÁ 24 ANOS SEM ZECA AFONSO



No Coliseu -A Morte Saiu á Rua(José Afonso)

Há 24 anos estive na enorme maré humana que encheu as ruas de Setúbal, cidade em que Zeca Afonso repousa. Ouvi-o cantar como cantor "clandestino" na Associação de Estudantes do Técnico, aí por 1969/70. Os meus filhos cresceram a ouvir a sua voz no gira-discos.
Temos muitas saudades de Zeca Afonso.

22.2.11

1984: A HELENA... O JOÃO ...



Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
De uma manhã futura.
Sophia de Mello B Andresen

18.2.11

HISTÓRIAS DE AMOR E DE SALAZARISMO

                                                     J. Cardos Pires, por Júlio Pomar

Ontem,no Quintas Com Livros, a comunidade de leitores da Biblioteca Municipal debateu o livro HISTÓRIAS DE AMOR, de José Cardoso Pires. A edição recente tem uma curiosidade: traz as marcas das passagens que a censura marcou a azul na altura da sua primeira publicação, em 1952, e que levaram à retirada do livro do mercado. Esse acabou por ser o tema central da conversa. A Censura era um atestado de menoridade mental aos portugueses e um certificado de estupidez e cretinice para os seus agentes. E como é que há gente que diz que tem saudades deste tempo? Que apela a "um novo salazar que ponha isto na ordem!"? Que gente é esta, que oiço por aí, destituída de lucidez, de cultura histórica e de dignidade?
E não me venham com a história de que as pessoas estão frustradas, desencantadas, desenganadas. Se estão, então lutem, ergam-se, protestem, gritem, exijam.
As marcas da censura são a imagem de uma época dominada por uma elite marcada pela hipocrizia, pela tacanhez mental,  pela miséria moral. E pela demissão e cobardia de muita gente que vivia de cerviz dobrada.
É disto que têm saudades, ó invertebrados do meu país?

17.2.11

A LER BREVEMENTE


O blogue BIBLIOTECÁRIO DE BABEL, do jornalista José Mário Silva, tem-me dado belíssimas sugestões de leitura. Este fica já na calha do próximo a ler, pela actualidade e pelo contexto em que surge. Urgente, este repensar o futuro por parte das esquerdas.

Ressenção critica, publicada também no suplemento ACTUAL, do semanário Expresso:



Um Tratado Sobre os Nossos Actuais Descontentamentos


Autor: Tony Judt
Título original: Ill Fares the Land
Tradução: Marcelo Felix
Editora: Edições 70
N.º de páginas: 219
ISBN: 978-972-44-1632-8
Ano de publicação: 2010


Quando morreu a 6 de Agosto de 2010, aos 62 anos, o britânico Tony Judt foi lembrado como um dos mais importantes historiadores do nosso tempo (o seu livro Pós-Guerra, sobre a História da Europa desde 1945, tornou-se uma referência absoluta) e como um intelectual alinhado com a Esquerda americana, mas de uma independência intelectual a toda a prova. Depois de ter ficado a saber, em 2008, que sofria de esclerose lateral amiotrófica, uma doença neurodegenerativa, Judt aproveitou o pouco tempo que lhe restava para manter uma actividade muito intensa, como professor da Universidade de Nova Iorque, colaborador regular da New York Review of Books e ensaísta. Nos últimos meses de vida, já paralisado do pescoço para baixo, ainda teve energia para ditar, parágrafo a parágrafo, este derradeiro livro, uma espécie de testamento político dirigido aos «jovens dos dois lados do Atlântico», mas que deve ser lido por toda a gente que se reconheça na sua primeira frase: «Há algo de profundamente errado na maneira como hoje vivemos».

Ainda a sentir as ondas de choque provocadas pelo «pequeno crash de 2008» e consequente crise financeira global, Judt defende que «não podemos continuar a viver assim». Isto é, não podemos assistir impávidos ao desastre em curso, corolário das últimas três décadas de egoísmo materialista, culto da privatização, dogma do mercado livre e desdém pelas funções sociais do Estado. Depois da hecatombe em Wall Street, o capitalismo mostrou mais uma vez as suas fragilidades e o modo como se pode transformar no «pior inimigo de si mesmo», quando deixado à solta (ou seja, sem regulação digna desse nome). Mas saber que algo está mal não basta. É preciso reagir. Com indignação. Com fúria. Com lucidez. Com clareza ideológica. Por isso, este é um livro que toma partido e explica porquê. Um «guia para os perplexos», sucinto, directo e muito bem articulado.

Para Judt, o principal problema está na incapacidade da esquerda para conceber e discutir alternativas ao actual estado do mundo. Ainda aturdida pelo «contra-ataque reaccionário» das últimas décadas, revela uma tremenda «incapacidade discursiva», como se já não soubesse como falar dos problemas. Para ser de novo levada a sério, à esquerda impõe-se «alguma humildade» e a urgência de «encontrar uma voz», deixando de lado o «exibicionismo retórico irresponsável». Em vez de jogar à defesa, cabe-lhe evocar um património de conquistas importantíssimas, muitas das quais foram entretanto dadas como adquiridas: «Precisamos de pedir menos desculpas pelas insuficiências passadas e falar mais afirmativamente das realizações». Até porque a social-democracia de matriz europeia, defendida com unhas e dentes por Judt, pode não representar o futuro ideal, mas ainda assim «é melhor do que tudo o resto».

Na verdade, ninguém pode tentar compreender a situação dos nossos dias sem olhar para a experiência do século XX. Sobretudo para o que se passou após a II Guerra Mundial. Findo um longo cortejo de tragédias, assistiu-se então a um dos períodos mais prósperos da História da humanidade. Durante trinta anos, o consenso keynesiano (forte intervenção do Estado, aposta da despesa pública, impostos progressivos, regulação dos mercados) correspondeu a um progresso económico e social sem paralelo. Judt tem noção de que nem tudo foi perfeito (veja-se o caso do planeamento urbanístico) e que a sustentabilidade do Estado-providência, com a inversão das pirâmides etárias, se tornou bastante problemática, mas em seu entender é no regresso a esta concepção de uma sociedade que se organiza para o «benefício comum» que podemos discernir uma saída. E se a crise actual voltou a tornar evidente a necessidade do Estado, o que importa agora é repensá-lo e adequá-lo às novas circunstâncias.

A prioridade maior, porém, deve ser o combate à desigualdade, esse fosso imenso entre ricos e pobres que não parou de aumentar desde a última mudança de paradigma, nos anos 80, com o triunfo das ideias da escola de Chicago (fé cega no individualismo, culto da privatização), aplicadas tanto por Thatcher e Reagan como pelos seus sucessivos herdeiros. O resultado, defende Judt, foi um esvaziamento da sociedade, reduzida «a uma fina membrana de interacções entre indivíduos privados» que se preocupam apenas com os seus interesses. «E logo que deixamos de valorizar o público sobre o privado, com o tempo viremos decerto a ter dificuldade em perceber porque deveríamos valorizar a lei (o bem público por excelência) em relação à força.» Esta diluição do empenho cívico e da consciência do que são as necessidades comuns leva à desmobilização política, ao défice democrático e à perda de coesão social. Uma realidade que Judt denuncia, antes de deixar um repto que é uma piscadela de olho a Marx: «Há uma observação famosa de que até aqui os filósofos apenas interpretaram o mundo de várias maneiras; a questão é mudá-lo.»

13.2.11

POETAS DA IMAGEM E DA PALAVRA

Foto de Gerard Castello-Lopes


para uma écloga do Tejo


agora cai a noite, ainda vejo
aquela fita branca
a rebocar a tarde ao rés das águas,
talvez seja de um barco, mas nãoquero

olhar o barco, a minha vida é ver
desentrançar-se a espuma
numa leve torção de múltiplos silêncios
como um rasto de tudo o que passou,

de ausências várias a horas e desoras
que se tornam presentes como na
música acontece ou na melancolia
daquela fita branca a atravessar

as tardes sobre o rio, outra banda
posta no meio, a dividir a corrente
do tempo raso, desolado, agora
a pele da noite ondula.
Vasco Graça Moura


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Lembras-te, Fernando Fabião, de um dia te ter visitado na tua casa de Mafra, quando lá fui com o Luís Filipe, para preparar a primeira página LUGAR ONDE em que tu serias o autor em destaque? Foi no dia 28 de Junho de 2002. Escrevi essa data no livro-álbum que então me ofereceste. 
É uma obra em que dois artistas - Vasco Graça Moura e Gerard Castello-Lopes - dialogam através de poemas e fotos que mutuamente se interpretam. Coisa linda!
Hoje, ao saber da morte de Gerard, reabri esse livro, para recordar uma das suas fotos e o poema que a glosa. Que aí ficam em cima.


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«Gérard Castello-Lopes, fotógrafo e distribuidor de cinema, morreu este sábado, 12 de Fevereiro, em Paris, vítima de doença prolongada.

Nascido em Vichy, França, em 1925, Castello-Lopes viveu em Lisboa e em Cascais, licenciando-se em Economia pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras, em Lisboa. Enveredou pelos mundos da fotografia e do cinema em 1956, tendo sido membro fundador do Centro Português de Cinema e membro do Conselho Consultivo da Culturgest. Distribuidor de cinema, fotógrafo, crítico de cinema e colaborador em diversos órgãos da imprensa portuguesa, Castello Lopes foi ainda assistente de realização do filme português "Os Pássaros de Asas Cortadas" (1962). Entre outros elementos no seu extenso curriculum, Castello Lopes foi ainda presidente do júri do Instituto Português de Cinema» ( do blogue CLOSE-UP, da Catarina d'Oliveira)

DEMITIR TODA A CLASSE POLITICA? POR MIM DEMITIA O POVO...


Quem não se conforma procura alternativas, estuda, reflecte. Como AQUI , onde há algumas ideias estimulantes.
O mundo é demasiado complexo para irmos em patetices como essa de "juntemos um milhão de pessoas na Avenida da Liberdade"...

11.2.11

NÓS E OS FARAÓS



Não ando alheado do mundo político, apesar de raramente falar disso aqui.
O Egito é um acontecimento a ter em conta, claro. O povo veio para a rua e obrigou a uma mudança. 
Se eu tivesse que dar uma opinião diria:

1 - A situação que lá se vivia era insustentável. Os turistas visitavam os templos e monumentos mas não se aproximavam do povo, mantido à distância por um cordão policial de segurança. Estive lá em 2005 como turista e vi como era. Percebia-se bem que, fora dos hoteis de luxo, imperava a miséria. E que os egípcios nos olhavam de longe com inveja.

2 - O contacto com o  modo de via ocidental através da televisão e da internet tornou ainda mais insuportável o quotidiano do povo. O desemprego massivo da juventude fez o resto, a partir do detonador da Tunísia.

O que virá agora? Acredito que os egípcios não vão correr com Mubarak para se irem meter na prisão religiosa dos extremistas islâmicos. Era necessário mudar e isso está feito. Há contradições terríveis, sim, caso dos militares - um exército de um milhão! - que vivem dos dólares americanos e da Irmandade Muçulmana com raízes culturais opostas aos costumes ocidentais. Mas quero acreditar que eles encontrarão um menor denominador comum para avançarem.

E NÓS POR CÁ?

Parece-me que a nossa esquerda está mais mumificada do que os faraós egípcios.
O sonho do PCP e BE é ver "o povo e os trabalhadores" ocuparem o Rossio e só de lá sairem quando o Governo cair. Enquanto tal não acontece, fingem jogar as regras democráticas. Mas vão para o Parlamento com a postura revolucionária de quem fala em nome do povo e gostaria de aniquilar os adversários. Agem e falam como se tivessem uma expressão eleitoral esmagadora. Não criam qualquer margem de diálogo, têm uma postura de enfrentamento permanente. Vivem politicamente isolados mas na ilusão de que são a imensa maioria do povo, cujas aspirações só eles interpretam.

Desconhecem que em democracia a política se faz com negociações, pequenos passos, alianças, entendimentos, compromissos. E respeito pelos adversários. Se estão dentro de um Parlamento é assim que deveriam agir. Mas fazem o contrário, chegando a becos sem saída como é agora o caso das moções de censura. O jogo PCP/BE deixou toda a gente perplexa porque não se vê que soluções políticas propõem, que alterações se dariam no panorama político nacional.
Claro, o que pretendem é agitar as águas, sempre na esperança de que amanhã o povo se levante finalmente e venha ocupar as ruas e as praças. Mas sem criarem condições para que, na vaga hipótese disso acontecer, seja posível formar um Governo. 

Sou e sinto-me de esquerda, o que significa que priveligio a solidariedade colectiva, o papel regulador do Estado e um Estado ao serviço do povo e não da minoria que detém o poder financeiro. E vejo com grande preocupação que os nossos líderes da esquerda não sabem viver com a democracia e cultivam a ambiguidade de jogarem à democracia mas sonhando e agindo como se vivessem em revolução.
Depois ficam muito admirados com os fracos resultados das presidenciais, chegando ao ponto de lamentarem "É o povo que temos...".

Entretanto Portugal vive de balões de oxigénio financeiro vindos do exterior.A economia estagnada não cria riqueza que assegure a manutenção do Estado Social. Os centros de decisão mais importantes estão todos lá fora. Mas a nossa esquerda não sabe lidar com isto...

7.2.11

UM HOMEM: FERNANDO PESSOA

Ofélia,
foto publicada na Fotobiografia de Fernando Pessoa, Círculo de Leitores



Quando passo um dia inteiro
Sem ver o meu amorzinho
Cobre-me um frio de Janeiro
No Junho do meu carinho
(Quadra de F. Pessoa, para Ofélia)

                                                                                   *

Fernando Pessoa intimida muita gente. Vêem-no como um complicado intelectual, um criador de poemas contraditórios, um alucinado sem rumo, disperso por múltiplas personalidades, um místico racional e um racionalista enovelado em ideias místicas. Um ser misterioso, enigmático, obscuro.
Também passei por isso. Que homem foi este?
Há anos encontrei uma edição da MENSAGEM em formato de bolso que me surpreendeu (1). Para além dos poemas de Pessoa, trazia um extenso estudo de António Quadros sobre o poeta e a obra, e ainda um conjunto de poesias inéditas ou pouco conhecidas.
Este livro desvendou-me um Fernando Pessoa profundamente humano, de  traços comoventes, de contornos riquíssimos, marcado por uma infância materialmente feliz mas afectivamente árida, com uma inteligência superior mas a que faltou o arrimo da força de vontade e do método. Um ser solitário sem ser misantropo ou anti-social, na inquietação de viver em permanente encruzilhada, sempre consciente da finitude.
Um contemporâneo seu (António Cobeira, amigo da juventude), citado por A. Quadros, escreveu:

"Fernando Pessoa era uma criatura afável, irrepreensível no trato, de primorosa educação, incapaz de uma deslealdade, imaculadamente honesto, delicadíssimo, triste e tímido."

E mais adiante:

"Avesso a toda a aparência, todos os seus sentidos estavam virados para o mundo interior. (...) era, não tanto um filósofo mas um subtil descriminador de pormenores, um vedor de lineamentos recônditos, um pioneiro de caminhos em altura - astrólogo ou alquimista, bruxo ou adivinho, perdido à luz meridiana do século. No plano social, à superfície - ele falhava onde os outros triunfaram ou iam triunfar clamorosamente."

Através de precioso retrato de A. Quadros encontrei-o na descoberta do amor por uma mulher - Ofélia - a quem escreveu cartas de amor "ridículas", ofereceu prendinhas e por quem teve arrebatamentos amorosos. Mas também no desmoronar desse sonho afetivo, que considerou inconciliável com o anseio de realizar uma obra literária de que deixou milhares de rascunhos e escassas realizações.  
A fotobiografia, publicada pelo Círculo de Leitores em 2008 (2), completa o retrato de alguém tão sensível e próximo de nós que encontrei no texto de António Quadros e de que a quadra dedicada a Ofélia é um traço impressivo.

(1) - MENSAGEM E OUTROS POEMAS AFINS, Obra Poética de Fernando Pessoa, Introdução, organização e biobibliografia de António Quadros; Publicações Europa-América, col. Livros de Bolso, nº 435, 2ª edição, Mem Martins, s/d

(2) FOTOBIOGRAFIAS SÉCULO XX - FERNANDO PESSOA, Richard Zenith, Círculo de Leitores, Rio de Mouro, 2008.

6.2.11

O CASTELO






















FOTOS MÉON



Deambular pelo morro do Castelo, aqui em Torres Vedras, é outro dos meus vícios. Tenho bons antecedentes. Fernão Lopes admirou-se com a "formosa mota" sobre que ele assenta. E D. João I porfiou por conqusitá-lo ao alcaide João Duque que levantara voz por Castela, antes de ir para Coimbra onde seria aclamado rei, em 1385.

Pelas ruelas estreitas, pelas encostas, parece ressoar ainda o tropel das gentes torrienses que rogaram ao novo rei que os deixasse segui-lo até Coimbra, como se relata no Cap. 158 da Crónica de Fernão Lopes. Júlio Vieira conta esse lance:

" Foi nesse momento que se deu a cena mais comovente que a história de Torres Vedras regista. O povo do arrabalde da vila e seus arredores, homens, mulheres e crianças, numa ânsia de liberdade e de horror pelos castelhanos, aos bandos, quis acompanhar o Mestre nos seus destinos, a caminho de Coimbra."

E mais adiante:

"E até um cego do arrabalde, em altos gritos, rogava que o não deixassem ficar em companhia de tão má gente, do que se condoeu Nun'Álvares e o mandou pôr nas ancas da mula que cavalgava.
Era então patético ver como pobres e famintos, rotos e esfarrapados, tudo marchava por essas estradas fora, sob as asas protectoras do exército daquele a quem o povo já queria como a seu Rei, acompanhando-o até à sua eleição em Coimbra." (Júlio Vieira, TORRES VEDRAS ANTIGA E MODERNA, 1926, P. 62/63).

Vivemos hoje tempos de multidões desesperadas em fúria, e a evocação de tantos sofrimentos passados parece dar razão às amargas palavras de Raul Brandão: " A História é dor".

3.2.11

GOSTO DE LER



Ler a LER já se me tornou uma rotina mensal.
É uma revista que se dedica aos livros e aos autores com uma qualidade de apresentação grafica acima da média e com riqueza e variedade de conteúdos que a tornam irresistível. Vale bem os 5 €.
Pedro Támen é o convidado do mês, à conversa com o sempre bem informado Carlos Vaz Marques. Com ele entramos na casa do poeta - também conhecido como um dos nossos grandes tradutores - partilhando os dias e as rotinas, sem bisbilhotice, conversa centrada no ofício de escre(vi)ver.
Gosto do Pedro Támen, aprendi a gostar, depois de alguns anos de rodeios em torno da sua poesia que me repelia, na sua sintaxe arrevesada. Até que percebi que aquilo era uma forma diferente e original de desvendar os segredos das palavras. Porque não há palavras simples e a poesia de Pedro Támen parte dessa evidência. Joga, esconde, procura, nega, interroga. Cada palavra, cada frase.

Outra coisa que admiro nele é a recusa da pose. Não se leva a sério, como afirma. E não tem paciência par os literatos que teimam em dizer que o são. Retenho da entrevista:

«Nunca procurei as chamadas "luzes da ribalta", nem entrevistas como esta. Além disso, sempre tive a sensação de que 10 depois da minha morte ninguém saberá quem fui»

(...) na poesia que ia escrevendo contribuía para que as pessoas dissessem: "Este tipo afinal é poeta mas não parece nada poeta, é um tipo normal."

Entrevistador: Parte-se portanto do princípio de que os poetas não são tipos normais.

Exactamente.

E não são?

Os poetas, no seu reduto próprio de poetas, não são ti¬pos normais. Em princípio, o poeta é aquele que vê um bocadinho mais do que os outros. Ou que pelo menos é capaz de e^rirnir coisas que vê e que os outros, mes¬mo quando vêem, não são capazes de formular. Estou a falar tanto dos poetas como dos artistas em geral: músicos, pintores, etc. A poesia é, para mim, um per¬manente arranhar o mundo, com unhas na cal, para tentar encontrar coisas que se pressentem por detrás do branco uniforme do mundo e da vida.

É uma procura de sentido?

Sim. Ainda por cima com a fatalidade inelutável de isso ser inglório, de afinal nunca revelar absolutamen¬te nada. No fundo, nunca chega a verdade nenhuma. »


Vou ler o resto da entrevista e da revista. 96 páginas de muita coisa interessante, das crónicas às recensões, das notícias às curiosidades.

2.2.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - A VÁRZEA NO INVERNO

As árvores despidas permitem perspectivas diferentes num dos mais belos jardins urbanos que conheço, o Parque da Várzea, em Torres Vedras.










Ao fundo o perfil único de Santa Maria do Castelo e as ruínas do Palácio dos Alcaides (o "Castelo").

Fotos  Méon