7.2.11

UM HOMEM: FERNANDO PESSOA

Ofélia,
foto publicada na Fotobiografia de Fernando Pessoa, Círculo de Leitores



Quando passo um dia inteiro
Sem ver o meu amorzinho
Cobre-me um frio de Janeiro
No Junho do meu carinho
(Quadra de F. Pessoa, para Ofélia)

                                                                                   *

Fernando Pessoa intimida muita gente. Vêem-no como um complicado intelectual, um criador de poemas contraditórios, um alucinado sem rumo, disperso por múltiplas personalidades, um místico racional e um racionalista enovelado em ideias místicas. Um ser misterioso, enigmático, obscuro.
Também passei por isso. Que homem foi este?
Há anos encontrei uma edição da MENSAGEM em formato de bolso que me surpreendeu (1). Para além dos poemas de Pessoa, trazia um extenso estudo de António Quadros sobre o poeta e a obra, e ainda um conjunto de poesias inéditas ou pouco conhecidas.
Este livro desvendou-me um Fernando Pessoa profundamente humano, de  traços comoventes, de contornos riquíssimos, marcado por uma infância materialmente feliz mas afectivamente árida, com uma inteligência superior mas a que faltou o arrimo da força de vontade e do método. Um ser solitário sem ser misantropo ou anti-social, na inquietação de viver em permanente encruzilhada, sempre consciente da finitude.
Um contemporâneo seu (António Cobeira, amigo da juventude), citado por A. Quadros, escreveu:

"Fernando Pessoa era uma criatura afável, irrepreensível no trato, de primorosa educação, incapaz de uma deslealdade, imaculadamente honesto, delicadíssimo, triste e tímido."

E mais adiante:

"Avesso a toda a aparência, todos os seus sentidos estavam virados para o mundo interior. (...) era, não tanto um filósofo mas um subtil descriminador de pormenores, um vedor de lineamentos recônditos, um pioneiro de caminhos em altura - astrólogo ou alquimista, bruxo ou adivinho, perdido à luz meridiana do século. No plano social, à superfície - ele falhava onde os outros triunfaram ou iam triunfar clamorosamente."

Através de precioso retrato de A. Quadros encontrei-o na descoberta do amor por uma mulher - Ofélia - a quem escreveu cartas de amor "ridículas", ofereceu prendinhas e por quem teve arrebatamentos amorosos. Mas também no desmoronar desse sonho afetivo, que considerou inconciliável com o anseio de realizar uma obra literária de que deixou milhares de rascunhos e escassas realizações.  
A fotobiografia, publicada pelo Círculo de Leitores em 2008 (2), completa o retrato de alguém tão sensível e próximo de nós que encontrei no texto de António Quadros e de que a quadra dedicada a Ofélia é um traço impressivo.

(1) - MENSAGEM E OUTROS POEMAS AFINS, Obra Poética de Fernando Pessoa, Introdução, organização e biobibliografia de António Quadros; Publicações Europa-América, col. Livros de Bolso, nº 435, 2ª edição, Mem Martins, s/d

(2) FOTOBIOGRAFIAS SÉCULO XX - FERNANDO PESSOA, Richard Zenith, Círculo de Leitores, Rio de Mouro, 2008.

2 comentários:

Lilá(s) disse...

Tomei café com ele, há dias no Chiado...
Bjs

Anónimo disse...

www.antonioquadros.blogspot.com

um abraço