27.6.11

Á PROCURA DE MOBY DICK


Por uns dias não virei aqui. Férias de teclado e visor...
Levo comigo Moby Dick e o capitão Ahab. Vou caçar a minha baleia branca.
Lá para meados de Julho regresso...

Abraço os meus amigos e visitantes casuais.

25.6.11

ADVERBIALMENTE

Foto Méon

um dia enfim
antigamente
nem sei já quando
possivelmente
acaso bastante
agora e sempre
não paro    ando
teimosamente
 
mas se inclusive
defronte, além
vou-me deixando
aquém     aquém
(Méon, Livro dos advérbios perdidos)


 

23.6.11

DIA DO CORPO DE DEUS

Habituei-me a reler, neste dia de feriado, a descrição da procissão do Corpo de Deus no MEMORIAL DO CONVENTO (p. 149 a 157 da 1ª ed, Ed. Caminho, 1982).
Encanta-me o descritivismo minucioso desta prosa...

Começa assim:

« Em Lisboa ninguém dormiu. Acabaram os outeiros, as damas voltaram dentro a compor a pintura esmaecida ou esborratada, daqui a pouco regressarão à janela, outra vez gloriosas de carmim e alvaiade. O povo miúdo de brancos, pretos e mulatos de todas as cores, estes, aqueles e os ou­tros, estende-se ao longo das ruas ainda turvas do primeiro amanhecer, só o Terreiro do Paço, aberto para o rio e para o céu, é azul nas sombras, e depois subitamente rubro do lado do paço e da igreja patriarcal, quando o sol rompe so­bre as terras de além e desfaz a bruma com um sopro lumi­noso. É então que começa a sair a procissão. Vêm à frente as bandeiras dos ofícios da Casa dos Vinte e Quatro, primeiro que todas a dos carpinteiros, representando S. José, que desse ofício foi oficial, e as mais insígnias, grandes painéis, cada um com seu santo figurado, feitos de damasco brocado e com bordaduras de ouro, e tão excessivos de tamanho que são precisos quatro homens para sustentá-los, revezando-se com outros quatro, folgando ora uns ora outros, ainda bem que não está vento, é ao compasso da andadura que balouçam os cordões de ouro e seda, e as borlas do mesmo metal, suspensas das pontas refulgentes das varas. Atrás vem a imagem de S. Jorge, com todo o seu estado, os tambores a pé, os trombeteiros a cavalo, rufando uns, outros soprando, rataplã, rataplã, tataratará, tá, tatá, não assiste Baltasar no Terreiro do Paço, mas ouve as trombetas ao longe e arrepia--se como se estivesse no campo da batalha, a ver o inimigo disposto em linha de combate, atacam eles, atacamos nós, e então sente que a mão lhe dói, há quanto tempo lhe não doía, talvez seja porque hoje não colocou nem gancho nem espigão, o corpo tem destas e doutras lembranças e ilusões, Blimunda, se não fosses tu, quem teria eu à minha direita para cingir com este braço, és tu, aperto com a mão salva o teu ombro ou a tua cintura, posto que repare o povo por falta de costume de estarem assim homem e mulher. »


E assim conclui:

«Anda o Corpo de Deus passeando-se na cidade de Lisboa, sacrifica­do cordeiro, senhor dos exércitos, contradição insolúvel, sol de ouro, cristal e custódia derrubadora de cabeças, divinda­de devorada e até às fezes digerida, quem se espantará de ver-te carne e unha com estes habitantes, degolados carneiros, soldados sem armas próprias, ossadas brancas no deserto, comedores de si próprios comidos, por isso se rojam pelas ruas as mulheres e os homens, dão bofetadas nas suas e pró­ximas caras, batem cavamente nos peitos e ilhargas, esten­dem as mãos às fímbrias que passam, aos brocados e às rendas, aos veludos e aos laços, às fitas, aos bordados, e às jóias, Pater noster que non estis in coelis.
Desce a tarde. No céu, luz subtilíssima, quase invisível, está o primeiro sinal da lua. Amanhã Blimunda terá os seus olhos, hoje é dia de cegueira.»


20.6.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - O Tejo e as memórias dos avieiros

Barraca na aldeia do Patacão de Baixo - Alpiarça
Em primeiro plano vê-se o dique de contenção das águas. A barraca foi construída do lado do rio

Patacão de Cima - Alpiarça


Finais do século XIX, primeira metade do séc. XX: pescadores da zona da Vieira de Leiria migram para o Tejo em busca de melhores condições de vida. Fogem da ferocidade do mar nos meses de inverno, e encontram no Tejo uma água quase sempre mansa onde pescam o sável, a fataça, a saboga, a enguia, o pampo, a lampreia. Dos grandes barcos de proa alta, indispensáveis para vencerem a temível rebentação da costa oeste, passam às bateiras esguias que deslisam no rio e se acostam à margem durante a noite. Com ela pescam, nela vivem. Mesmo de noite, onde os ramos dos salgueiros e um pano grosso fazem de tecto.
Mais tarde, quando as posses permitem, constroem "palheiros", barracas de madeira, à beira do rio, sobre estacas. Imitam as palafitas da beira-mar onde nasceram. Elevadas sobre estacas, os palheiros ( como os de Mira) resistem ao avanço das areias. À beira Tejo sobrevivem às arremetidas das águas nas grandes cheias que inundam a lezíria.
De Vila Franca até Constância, vários aldeamentos surgiram, quer nas duas margens do Tejo, quer nos seus afluentes, Almonda, Alviela e Vala de Alpiarça:  Escaroupim, Palhota, Porto da Palha, Patacão, Barreira da Bica, Touco, Porto das Mulheres... (Mais informações: AQUI.)

Alves Redol, atento ao mundo do trabalho, descreveu a vida destes pescadores no seu romance AVIEIROS, publicado em 1942. Viveu alguns meses na aldeia da Palhota ( concelho do Cartaxo), onde recolheu os dados necessários para esta obra que é hoje um testemunho sociológico de enorme importância para o conhecimento da Cultura Avieira. (Ver AQUI. )

Nos dias 17 e 18 de Junho pp decorreu em Santarém o 2º Congresso Nacional de Cultura Avieira, mais um marco na candidatura a Património Nacional, e agora também da UNESCO.
Dessa iniciativa em que tive o gosto de participar trouxe algumas imagens que partilho convosco.



Escaroupim: barcos junto junto aos salgueiros no Tejo


Antigo cais de madeira, na aldeia de Palhota


Forno de cozer pão, na Palhota



Casas palafitas na Palhota

Outra casa de pescadores


Placa evocativa de Alves Redol, na Palhota


Interior da casa onde viveu A. Redol. Uma foto dele,
por cima da miniatura de uma bateira

Bateira

15.6.11

O Beijo ( pormenor) Klimt

AMOR COMO EM CASA
 
Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
e amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
Manuel António Pina

14.6.11

PARECE EVIDENTE...



Evitaríamos muitos problemas e mal-entendidos se tivéssemos sempre em conta que não há uma realidade objectiva,  o que há é a percepção que cada um tem dela.

Editar um livro? Objectivamente falando, é uma realidade simples. Na prática pode transformar-se num processo moroso em que os intervenientes não se entendem quanto ao COMO, ao QUANDO e ao QUE cada um tem a fazer. Porque cada um tem uma percepção diferente do processo.

A única forma de resolver isto é com ORGANIZAÇÃO e LIDERANÇA, aceites por todos ou pela maioria dos que estão envolvidos.

Simples. Evidente. Um caso particular que é imagem do que se passa com Portugal?

13.6.11

PARABÉNS, FERNANDO PESSOA










Se fosses vivo farias hoje 123 anos!  - forte razão para já não estares vivo...
Altura boa para reler o teu longo poema a Santo António, que começa assim:






Nasci exactamente no teu dia -
Treze de Junho, quente de alegria,
citadino, bucólico e humano
Onde até esses cravos de papel
Que têm uma bandeira em pé quebrado
Sabem rir...
Santo dia profano
Cuja luz sabe a mel
Sobre o chão de bom vinho derramado!


E lá continuas, em tom jocoso, a conversa poética com o teu santo... Para finalmente concluires:

Sê sempre assim, nosso pagão encanto,
Sê sempre assim!
Deixa lá Roma entregue à intriga e ao latim,
Esquece a doutrina e os sermões.
De mal, nem tu nem nós merecíamos tanto.
Foste Fernando de Bulhões,
Foste Frei António -
Isso sim.
Porque demónio
É que foram pregar contigo em santo?

12.6.11

MANUEL ANTÓNIO PINA ESCREVE SOBRE LIVROS




AOS MEUS LIVROS

Chamaram-vos tudo, interessantes, pequenos, grandes,
ou apenas se calaram, ou fecharam os longos ouvidos
à vossa inútil voz passada
em sujos espelhos buscando
o rosto e as lágrimas que (eu é que sei!)
me pertenciam, pois era eu quem chorava.

Um bancário calculava
que tínheis curto saldo
de metáforas; e feitas as contas
(porque os tempos iam para contas)
a questão era outra e ainda menos numerosa
(e seguramente, aliás, em prosa).
Agora, passando ainda para sempre,
olhais-me impacientemente;
como poderíamos, vós e eu, escapar
sem de novo o trair, a esse olhar?
Levai-me então pela mão, como nos levam
os filhos pela mão: sem que se apercebam.
Partiram todos, os salões onde ecoavam
ainda há pouco os risos dos convidados
estão vazios; como vós agora, meus livros:
papéis pelo chão, restos, confusos sentidos.
E só nós sabemos
que morremos sozinhos.
(Ao menos escaparemos
à piedade dos vizinhos)




NA BIBLIOTECA

O que não pode ser dito
guarda um silêncio
feito de primeiras palavras
diante do poema, que chega sempre demasiadamente tarde,

quando já a incerteza
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.
Na biblioteca, em cada livro,
em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,
as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.
Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
‘E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.’


[in: Poesia, Saudade da Prosa - uma antologia pessoal, Assírio & Alvim, 2011]

8.6.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - Pormenores

É o que se ganha em passear devagarinho: reparar nos pormenores. Daquele dia no Ribatejo ficaram alguns na nossa retina.




Casa de um brasileiro "torna-viagem" do princípio do séc. XX
Azenha, aldeia do Arneiro das Milhariças


Malhou, perto de Pernes



Igreja de Malhou

Igreja de Malhou


Igreja de Malhou

Idem

Malhou

Malhou

Malhou

Perto de Rio Maior



Fotos Méon
Se usar, faça referência ao blogue de origem, p.f.

7.6.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - O Ribatejo beirão


                                                                 Ponte medieval em Alcanede


O Tejo é a grande referência. Magestoso, largo, percorre os férteis campos da borda d'água, desde a Golegã até ao Mar da Palha, frente a Lisboa. A Este destes terrenos alagadiços estende-se a charneca que vem dos lados do Gavião, Ponte de Sôr e Montargil, no Alto Alentejo. A Noroeste encontramos as Serras de Aire e Candeeiros. Entre elas e a bord'água há uma grande mancha de pinhal e eucaliptal, que corresponde à parte norte do concelho de Santarém e a Alcanena, numa paisagem muito semelhante à da Beira Baixa, com povoações como Rio Maior, Alcanede, Abrã, Amiais de Baixo e de Cima, Arneiro das Milhariças, Tremês, Romeira...
Foi por aí que andámos ontem.
Pontos de paragem: Almeirim do Arneiro das Milhariças, uma aldeia que outrora viveu de duas ricas várzeas agrícolas, hoje praticamente abandonadas; a aldeia de Malhou, com o seu apreciado restaurante O MALHO, de boa comida e agradável amesendação; e os Olhos d'Água, já perto de Alcanena, nascente do rio Alviela, onde no século XIX se captava a água que abastecia Lisboa e hoje é uma praia fluvial.


Almeirim do Arneiro das Milhariças (norte do concelho de Santarém)





Igreja de Malhou (concelho de Alcanena)




Janela na aldeia de Malhou

Sino de portão, Malhou

Aldeia de Malhou

Aldeia de Malhou

Quinta do Alviela, próxima dos Olhos d'Água


Nascente do Alviela, afluente do Tejo

Oliveira centenária, Olhos d'Água

Praia fluvial, Olhos d'Água


 
Castelo de Alcanede


Fotos Méon.
Fazer referência de origem.

5.6.11

INFORMAÇÃO: ELEIÇÕES

Resultados eleitorais:
http://www.legislativas2011.mj.pt/territorio-nacional.html#

Clicando no mapa à direita, obtêm-se os resultados por concelho e por freguesia.

AS CIRCUNSTÂNCIAS MUDARAM...

... com a subida nas sondagens de toda a direita ao longo da semana.
Por isso decidi alterar o que anunciara e votei - como aliás já deixara expresso há dois dias na minha página do facebook.
Não é que interesse muito o que eu faça. Mas devo uma satisfação aos amigos que por aqui vão passando e que me perguntam a opinião.

Aí estão os resultados previsíveis. Não percebo como se festejam vitórias e se lamentam derrotas. O programa do próximo governo já todos sabem ( e já sabiam ontem...) qual vai ser.

É claro que me preocupa a incapacidade da esquerda para lidar com a economia global. E também a sua parcelização que não permite projectar em mandatos a totalidade dos votos que obtêm em separado. Mas isso são contos largos...