30.12.11

AGRADECENDO AS LARANJAS




Luís Filipe Rodrigues passou à minha porta e deixou um poema e votos de Bom Ano.
Agradeço, retribuo os votos e publico.


Deixou metade da laranja na mesa. Não o perturbou a falta de apetite nem o desenho abandonado a meio.
«A dieta tem as suas regras, tal como a perspectiva. A escassez dói e nos faz fortes, mas viver no limite da escassez altera a visão final do desenho.
            A realidade depende do ponto donde se olha. A conclusão é variável porque o espírito flutua conforme o vento. Ao seguir-se a linha da falésia onde mora o indizível, é arriscado atravessar a treva sem uma luz que nos chame e oriente. Perante o horizonte abstracto permanece a dúvida, ou será que a minha fome consiste em continuar a viver na cegueira» disse ele.
            Dias depois ao sentar-se novamente à mesa, no silêncio de si consigo e depois de muito meditar, notou que o desenho tinha mudado: As árvores desciam do céu e o chão atapetado de laranjas.

25.12.11

A VISITA




A OFICINA
I
Abres a porta
o pátio, é um lago de luz
(vidro transportando o sol em direcção à casa)

a oficina fica em frente:
- usina pobre, veios de água talhando animais
e anjos perplexos.

As ferramentas respiram abandono
sonham alto
pedem um traço justo e paciente
(um regaço de paz).

É difícil subir ao cristal
iluminar todos os silêncios
confiar nas dunas (que fulguram)

É difícil conhecer a linguagem
antiga dos veios
a densidade do material
a irrevogável alegria dos mestres.

II

bordando o aço
limpas a malha
o estilhaço do tempo

esconjuras os ardis
a áspera exactidão do mundo

aproximas o ouro, o filamento da lava
as armas incorruptíveis do saber

bordando o aço
limpas a malha
o negrume sem lua
do medo.



Fernando Jorge Fabião, amigo e poeta. Todos os anos visita o meu Natal e deixa um poema na chaminé.
Não faltaste, amigo. Tu fazes parte do meu Natal. Do nosso Natal!

20.12.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - Monte Real





Foi sede de concelho entre 1292 e o início do século XIX. Hoje é freguesia do concelho de Leiria.
Conhecia-a apenas como lugar termal - Termas de Monte Real - e Base Aérea. Por isso o pequeno núcleo histórico foi uma novidade inesperada.
Deixei para trás o pequeno pelourinho, mal enquadrado entre casas incaracterísticas, e fui até ao que resta do Paço Real e da primitiva Igreja Matriz. 
Touxe as imagens. 










Fotos (C) Méon


19.12.11

"E deus, se acaso existe, faz de conta" (verso de Vasco Graça Moura)



ONDE ESTÁS?
Que esperança sobra de tantas promessas iludidas? Que estrelas se incendeiam no negrume das palavras vãs? Olho este povo mandado para a emigração, olho os meus filhos que já emigraram. Onde fazer o presépio?
Imóveis numa torre distante os sinos da infância. Em silêncio eterno os mortos amados. Frio de dezembro. Não fosse o teu Amor e nada mais restaria. É ele o meu Menino.
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Fotomontagem Méon, a partir de imagens da net

18.12.11

O QUE DÓI ÀS AVES

Instalação na Modern Galery, Londres - foto de Rose Mary Borges


PÓRTICO

Com os meus amigos aprendi que o que dói às aves
Não é o serem atingidas, mas que,
Uma vez atingidas,
O caçador não repare na sua queda.

Daniel Faria, A casa dos ceifeiros, POESIA, ed. Quasi, V.Nova de Famalicão, 2003

14.12.11

TEJO, REDOL E SARAMAGO



Avieiras da Azinhaga

Releio, deslumbrado, AVIEIROS, de Alves Redol. Grande prosador, grande observador de gentes e lugares. Ainda bem que há centenários - como este do nascimento de Redol (1911/2011) - para fazer sair o neorrealismo do jazigo do esquecimento. Desgraçadamente a nossa pequenina cultura nacional precisa de matar os antigos para dar lugar aos novos. Mas passado o momento e algumas reedições - poucas! - torna a fechar-se a porta do esquecimento e ala! -  que venham novas modas.

Há dias visitei o Tejo com um amigo que vive há três décadas em Macau e por isso conhece bem todo o Oriente. Andámos pelas terras de Santarém e Alpiarça, passámos as pontes, ligámos as margens. Estava maravilhado com a paisagem e a tranquila serenidade do grande rio. O que lhe causou grande estranheza foi a falta de gente. Não se via vivalma por ali. Nem pescadores desportivos nas margens, nenhum barquito nas águas. Um rio deserto é uma desolação. Ah! Que diferença em relação aos rios orientais onde a vida fervilha.
Aqui, o grande rio foi destruído lentamente por décadas de incúria. Poluição, barragens sem soluções técnicas ( que existem!) para as migrações das espécies piscícolas, afluentes transformados em esgotos a céu aberto, uma gestão ruinosa da água pelos espanhóis.

Alves Redol descreve o rio dos anos 30 e nós encontramos nas suas páginas a atualidade dos males que hoje nos afligem. Mas ele era comunista, vivia no meio do povo, falava nas dores dos deserdados, incomodava. Chapou-se-lhe a etiqueta de neorrealista, arrumou-se o homem, vinha aí o existencialismo e as elocubrações angustiosas do pequeno-burguês da vida urbana. O que nós perdemos com estas guerrinhas...

Nos anos 80 começa a grande época de José Saramago. O primeiro livro do êxito foi LEVANTADO DO CHÃO. E que vemos nós? O autor recupera o método de Redol - viver no meio do povo, nos lugares que vai usar como cenário da história - e mete-se numa casa de camponeses do Lavre, ali para Montemor-o-Novo. E aconselhou outros: " o país está cheio de histórias, basta lá ir buscá-las!"
Olha a novidade! 50 anos antes Redol fez isso em grande escala: viveu na Nazaré e escreveu UMA FENDA NA MURALHA; foi para o alto Douro e escreveu três livros do ciclo Vinho do Porto; calcorreou o Ribatejo e escreveu GAIBÉUS, FANGA, MARÉS, GLÓRIA - UMA ALDEIA DO RIBATEJO; assistiu à luta dos latifundiários ribatejanos contra a industrialização e criou essa obra-prima que se chama BARRANCO DE CEGOS, na qual, apesar da localização temporal atirada para os fins da monarquia,  ficciona o processo espantoso da deificação do senhor que a realidade vem confirmar poucos anos depois com a farsa do poder fingido de Salazar , moribundo mas ainda a governar.

Atrevo-me a dizer: Saramago não é melhor prosador que Redol. Tem mais engenho de construção romanesca, mais imaginação para personagens e situações, sim, tem. Mas não supera Redol no conhecimento da língua, nos tipos característicos que criou, no lirismo contido mas intenso das curtas descrições de paisagens e lugares, sentimentos e emoções. E acrescento: não maça o leitor com sentenças de profeta, coisa com que Saramago me enfada, tenham lá paciência.

Um pequeno trecho dos AVIEIROS:



«A rota contraditória das suas águas, o Tejo foi depondo e levando, levando e repondo areias junto do valado real da Lezíria Grande. Areias e terras doutras margens por onde passa. Quando o Tejo passa, algo acontece sempre, porque um rio tem as suas glórias e os seus dramas. Como os homens. Um rio vive, respira, trabalha, constrói e destrói. Também os homens. Mas os homens amam e apaixonam-se. Por belas coisas, às vezes; por coisas mesquinhas, outras tantas. A paixão é o tudo e o nada dos homens. Odienta ou amorosa, a paixão empolga-o, porque nem só o amor sublima o homem. Também na luta feroz ele se ultrapassa. A sobrevivência, por exemplo, é sempre uma luta feroz, mesmo em silêncio. Ou será ainda maior quando vive no silêncio.
Um rio tem as suas glórias e os seus dramas, mas não se apaixona. O Tejo não pensa, age. Age ao sabor das circunstâncias. Age e constrói; age e destrói. Como o homem. Mas o homem pensa e conhece a dúvida.» ( in: Avieiros, início do cap. Aldeia)

Fotos daqui. Curiosamente, Azinhaga é a terra natal de José Saramago.

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12.12.11

COMO SE DESTRÓI UM PAÍS

Eles sabem:


E aqui se explica:

http://jumento.blogspot.com/2011/12/como-se-destroi-um-pais.html

http://ktreta.blogspot.com/


Não percebo.
Um Governo que ganhou eleições com um discurso completamente ao contrário do que agora pratica; que vende setores estratégicos da nossa economia; que destrói a economia em nome de uma austeridade sem sentido compreensível... mantém-se em funções como se isso fosse a coisa mais natural deste mundo? Para que serve um Presidente da República que não vê que "o normal funcionamento das instituições" está completamente comprometido desde há meses?

Não percebo eu nem perecebe ninguém das pessoas com quem falo...
Desabafei!

9.12.11

TEMPO




TEMPO

Cá de cima
vejo quem me fita
e de longe fixa
minha imagem

Acaso de voo
presença breve
como o olhar
de quem julga prender-me

Assim voa o tempo
no bater de asas
que vai levar-me
deste fotograma



© Foto e texto de MÉON

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6.12.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - Neblinas na encostas da Ribeira de Matacães e Loubagueira


Fotos © Méon










Longe e nítidos caminham os caminhos
Duma aventura perdida.
Próxima a brisa
Abre-se no ar.

É o azul e o verde e o fresco duma idade
Morta mas que regressa
Com os seus claros cavalos de cristal
Que se vão esbarrar no horizonte.

(Sophia de Mello Breyner Andresen)

5.12.11

CITAÇÕES



Foto Méon (Crepúsculo no alto da Srª dos Milagres)

Carlos Fiolhais no blogue DE RERUM NATURA, a propósito da Ciência e da Religião:


”Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na ordem harmoniosa daquilo que existe e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos actos dos seres humanos”.
Einstein

“Será que tentar perceber de alguma maneira o universo revela uma certa falta de humildade? Creio que é verdade que a humildade é a única resposta adequada perante o universo, mas não uma humildade que nos impeça de procurar descobrir a natureza do universo que estamos a admirar. Se procurarmos essa natureza, então o amor pode ser inspirado pela verdade, em vez de se basear na ignorância ou na auto-ilusão. Se existe um Deus criador, será que Ele ou Ela ou Isso ou seja qual for o pronome apropriado preferiria uma espécie de cepo embrutecido que o adorasse sem nada compreender? Ou preferiria que os seus devotos admirassem o universo real em toda a sua complexidade? Quanto a mim, parece-me a ciência é, pelo menos parcialmente, adoração informada.”
Carl Sagan



4.12.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - Passeio pedestre nos arredores de Torres Vedras

Partida junto à Escola Sec. Madeira Torres, às nove e um quarto, sábado 3 de dezembro. Sol, temperatura amena. Choveu nos dias anteriores, por isso encontrámos alguma lama. E foi este alongar os olhos que aqui se documenta.

Monte da Pena, onde se situa a sepultura coletiva da época calcolítica.




Bem visíveis as pedras que eram a base da falsa cúpula desta sepultura ( tholos) bem como o corredor de entrada. Ao fundo, o Hospital José Maria Antunes, antigo Convento do Barro



A aldeia do Barro

Descendo do Monte pelo pior sítio... O guia era um pouco sádico... Em cima à esquerda, a imagem que lá se venera desde os anos 50.

Redil de cabras com Torres Vedras no horizonte.

A cidade lá em baixo...e o caminheiro cá em cima!

O Convento do Barro. Andámos pela encostas à volta dele, vendo-o segundo perspetivas que só os caçadores vêm. O caminheiro caçou imagens.

O Convento, com a cidade ao fundo e o Monte da Pena do lado esquerdo.


Mais duas perspetivas

 Lá em baixo, a cidade...



Em cima, à direita, o Monte da Pena. Na encosta, a Ermida de S. José.

Ermida de S. José, quando por lá passámos na primeira parte do caminhada




Estávamos na Serra da Capucha, a sul do Barro. Na cumeada avistámos o Turcifal, com a sua igreja monumental.


O parque eólico da Serra da Capucha. 


E Torres Vedras, sempre. Vê-se bem o Hospital da CUF



1.12.11

POR ÚLTIMO QUERO APENAS DIZER...





30 de novembro: morreram neste dia Óscar Wilde (1900) e Fernando Pessoa (1935). Vivem nas obras que escreveram.

Curioso é lembrar as últimas palavras que deles se conhecem:

F. Pessoa: "Amanhã a estas horas, onde estarei?"
O. Wilde: "Ou aquele papel de parede está a sumir-se, ou estou eu."

Coerentes até ao fim...