30.10.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - Ermida do Vale da Lama


Alpiarça, 7 km a NO de Santarém, é uma vila com uma localização curiosa: situa-se na fronteira entre os terrenos férteis da beira Tejo, para o lado poente ( o chamado "campo") e as terras de montado para o lado nascente ( a "charneca"). Almeirim e Chamusca partilham essa condição de fronteira.
Se olharmos o mapa de Portugal vemos no seu centro geográfico, entre a A6 e a A23, uma das zonas menos povoadas do país, terras de montados de sobreiro e azinheira, pontuadas por algumas várzeas férteis junto às linhas de água. 
Saindo de Alpiarça para o lado nascente, passamos ao Casalinho e embrenhamo-nos por esse território que só há cerca de 15 anos tem estradas alcatroadas. 
Andei ontem por lá. Encontrei manadas de gado bovino, pastando calmamente e olhando-me com curiosidade e receio, acompanhadas por bandos de garças boieiras.
Meia dúzia de quilômetros adiante encontrei esta ermida rústica, situada na herdade do Vale da Lama.
Não é antiga, a inscrição por cima da porta indica 1948 como data de construção. 
Mas é um encanto, pela sobriedade e proporção de linhas e volumes. Apreciem comigo.







Era a hora do crepúsculo. Serenidade e paz. Terras escuras e céu pintado pelas últimas cores do dia.












Fotos © Méon

27.10.11

DENTADURA AO FUNDO !



Dei por mim a recordar um episódio antigo, passado numa praia do Tejo, perto de Alpiarça.
Passo a contar:

Por meados dos anos 60 do século passado fixou-se em Alpiarça uma família de três professores açorianos, de apelido Serpa, todos irmãos: a D. Ângela, mais velha e o José, que eram professores do 1º Ciclo; e o mais novo, António, que começou a frequentar o Externato de S. Paulo onde eu estudava.

 Travei-me de grande amizade com os rapazes e tornámo-nos companheiros de passeios de bicicleta. Ilhéus como eram, sufocavam longe da água. As excursões ao Tejo eram, por isso, quase diárias no verão. Eles eram nadadores exímios, e muito galhofavam com o meu estilo quadrúpede de nadar, aprendido no tanque de um quintal vizinho. Eu esperneava e esbracejava, enquanto eles singravam de leve sobre a água, quais cisnes em lago de jardim.

Passado um ano ou dois, o José entrou de noivado com uma senhora de Santarém. E na véspera do casório, onde se havia de fazer a despedida de solteiro? Nas praias do Tejo, a poucos quilómetros da vila. Como setas, a pedalar por aqueles carreiros fora, lá fomos direitos ao grande rio. A primeira coisa foi perguntar ao barqueiro quais os sítios perigosos. E como era dia especial, resolvemos alugar um barco avieiro, garantia de tarde bem passada, a fintar os ramos dos salgueiros, a bordejar as ilhotas de areia à procura dos melhores sítios para mergulhar, a retesar os músculos com o impulso dos remos con­tra a corrente.

 Estava uma tarde esplendorosa de sol. Remando, mergulhando, nadando, por ali andámos horas infindas. O José Serpa de vez em quando lembrava-se do dia seguinte e do casamento e fazia uma cara amarelenta de nervoso. A família da noiva era gente de brios sociais, onde ele se sentia contrafeito, desconfortado de tanta cerimónia. E via-se já, entalado no fato, a beijar a mão à sogra. Eu e o António acirrávamos a tremedeira dele, com dichotes e macaquices. Mas o José Serpa estava pior do que pensávamos: a certa altura, com os balanços do barquito e a digestão talvez parada do nervoso, amanda as mãos às goelas e dá um arranco que parecia querer largar a alma. Foi o almoço todo borda fora e com ele... a dentadura de cima, que lhe compunha dois buracos bem na frente da boca. Deu um berro de aflição e o António, apercebendo-se do sucedido, mergulhou de imediato. Andou que tempos lá por baixo, fez-se enguia rente às areias do fundo, mas qual quê?! Nem com uma rede de arrasto! Veio acima, de olhos esbugalhados, respirou numa sofre­guidão, e lá foi outra vez. E mais outra. E mais outra. Também tentei, armado em herói, sem ver um palmo à frente, naquelas águas baças e remexidas.

Já na margem, atirámo-nos para o chão, desalentados. À socapa, eu e o António fungámos de riso, mas disfarçámos bem, para não agravar o ânimo do Zé que nem que­ria acreditar naquela desgraça. Estava lívido, a tremer. O irmão ainda voltou ao rio e esquadrinhou por onde pôde até à exaustão. Chegámos a Alpiarça já noite fechada.
Sei que no outro dia, pela madrugada, os dois Serpas ainda voltaram a desafiar o rio. Mas, da dentadura, nem uma lasca.
Impossível adiar o casamento e o José Serpa, muito enfiado, suportou estoicamente o vexame. As fotografias que ele depois nos mostrou fixaram a memória daquela tarde fatídica no Tejo: lá se vê o José Serpa, de boca franzida, a disfarçar os buracões do meio da boca.

Rir do facto, ele só o conseguiu uns dias depois, substituída a placa postiça e ame­nizada a lembrança de uma desdentada lua-de-mel.
Como é que eu me fui lembrar agora disto?

26.10.11

UM POEMA DE FERNANDO ASSIS PACHECO, AO FIM DA TARDE




COM A TUA LETRA

Porque eu amo-te, quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.

Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.




Praia de Santa Cruz, fim de tarde em outubro | Fotos (C) Méon

20.10.11

ONDE PÁRA O TEMPO?


Diz-se que o tempo é a consciência da duração e do rasto que ela deixa.
O postal é do final do século XIX, Torres Vedras, antiga avenida Casal Ribeiro, hoje  5 de outubro. Comparo-a com a imagem atual, em baixo. 
Onde pára o tempo que aqui passou?
Onde estão aqueles que deixaram este rasto?
Onde estaremos, nós, amanhã?





16.10.11

Patxi Andion - Manuela (1971-1973)


Para ti e para o teu nome. Amada!
Memórias de um tempo em que as caras dos fascistas não se escondiam por trás de nomes como "mercados", "dívida soberana", "globalização" e outros eufemismos de uma realidade tão brutal como a que se viveu em Espanha nos anos 30.

15.10.11

Pedro Passos Coelho -- Best of 2010-2011


A nossa memória é muito curta...
Vê-se aqui bem a impreparação deste homem para ser Primeiro-Ministro. Desconhecia os números da governação, que até nem estavam escondidos - pois não é verdade que a Troika chegou e em três semanas fez um plano, sem se queixar de falta de dados?

O buraco de que Passos Coelho agora fala não veio do governo anterior, como os economistas independentes já demonstraram. Veio do negócio ruinoso do BPN, do desvario da Madeira e do facto de a receita dos impostos ter baixado a pique com a recessão económica.

Estamos nas mãos de gente impreparada que encontra nas receitas neo-liberais a solução para os problemas que não sabem resolver.

A distância entre o que ele dizia há meses atrás e o que faz agora é tão gritante que Cavaco Silva deveria destitui-lo, como Sampaio fez com Santana Lopes. O problema é que o Presidente da República está a agir e a falar exatamente como o Primeiro-Ministro...

13.10.11

ESPERA


Ai de quem espera se desespera
se arranha em garra de fera
a sua cabeça esférica
a sua carne tangente
ao sossego de uma hera!

Ai de quem espera sem lenta
argamassa de paciência
em calma de estratosfera!

Ai de quem espera se tenta
um álcool que lhe aguente
a sisudez dessa espera!


Poema de João Rui de Sousa,
Lavra e Pousio,

Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2005

Foto © Méon

12.10.11

UNIDOS, PELA MUDANÇA!!

Sócrates era mau, exigia muitos sacrifícios ao povo. P. Coelho apareceu como defensor do povo contra tão grandes malfeitorias.
Cavaco Silva, também "defensor do povo", apelava para o fim dos sacrifícios.
Eleições!
Agora temos os defensores do povo em ação! Já falam em crise internacional ( e nós a pensarmos que, banido o Sócrates, os problemas estavam resolvidos...), parece que o Sócrates é que levou a Europa ao fundo!
Orçamento de Estado: mais ruína!
Devem julgar que somos todos idiotas, estes PSD's mais os PS's que vão votar a favor, ou abster-se.

Transcrevo o texto de Venerando de Matos e apresto-me a ir à marcha do dia 15. Também estou indignado!


«A História Humana já conheceu muitas desgraças e misérias, mentiras, injustiças e crimes, guerras e revoluções.

Mas, apesar disso, depois de ultrapassados esses períodos maus, vinha sempre um salto em frente, as condições de vida iam melhorando e, pelo menos, a percepção do mal levava a humanidade a procurar soluções que evitassem o regresso ao passado.

Muitos dos actuais profetas da inevitabilidade da perda de direitos sociais ( e por tabela, e a seu tempo virão os políticos) em nome de um futuro de miséria para 99% e de grande prosperidade para os restantes 1%, são os mesmos que nos venderam o século XXI como um século glorioso de pujança neo-liberal, o “fim da história”, precursora do pensamento único, sem alternativas à selvajaria capitalista.

As grandes crises, que levaram a grandes conflitos e a revoluções violentas, tinham geralmente como causa grandes catástrofes alimentares, sociais, naturais, ou militares.

Só isso justificava a interrupção de um caminho mais justo e humanos que todos procuravam e defendiam (com sinceridade ou não), o qual era retomado quando esses conflitos passavam.

Pela primeira vez na história não vivemos um momento de grande retrocesso social e humanos causado por uma guerra ou por uma catástrofe natural, mas apenas porque uns tantos gananciosos, ligados ao mundo financeiro, viram na criação de uma crise artificial um modo de rápido de enriquecimento.

Não tendo havido uma guerra ou uma grande catástrofe natural, haver ou não dinheiro, que é a base da liberdade de cada um num sistema capitalista, não depende do clima, como parece que nos querem convencer, mas apenas das opções políticas.

Também pela primeira vez na história o discurso das elites dominantes, vinculadas pelos seus aparelhos ideológicos, não promete que depois da tempestade venha a bonança. Antes pelo contrário, pretende vender-nos um mundo ainda mais injusto, uma crise sem fim e o retrocesso social e humano como única “alternativa” e como algo natural e normal paras as sociedades do futuro.

Mas toda essa gente, políticos, economistas, banqueiros, comentadores de serviço e tantos outros à sua boleia, que nos pretende vender como inevitável um futuro ainda pior para todos nós e para os nossos filhos, talvez venha a ter uma grande surpresa no próximo dia 15 de Outubro….

…É que há cada vez mais razão para gritar a indignação à escala global.»



11.10.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - PORTAS DO TEJO

Portas do Sol, na muralha de Santarém

Santarém não é só Portas do Sol. É também portas do Tejo - estrada líquida remendada de areia,  a preguiçar lá em baixo, desde a Chamusca até às Caneiras e Vila Chã de Ourique.
O Tejo aqui é um rio triste, sem barcos, sem pescadores, sequer os da beira rio. Nem uma cana a fazer cócegas à água.
Rio sem riso, torna triste o olhar.


Portas do Sol


Tejo, próximo de Alpiarça

Fotos © Méon
Outubro, 2011

4.10.11

INTERIORES





Entrei na sombra como alguém que via
Entrei devagar no ritmo de um salmo
E havia luz
Era uma luz como uma árvore quando cresce
E estando em flor era um dia inteiro

(...)
Daniel Faria
POESIA
Ed. Quasi, 2003


Fotos © on
Covento da Graça, Torres Vedras

2.10.11

IMAGENS DO MEU OLHAR - TURCIFAL

Mais uma marcha domingueira, organizada pela Associação de Marchas e Passeios do Concelho de Torres Vedras. Hoje foram cerca de 12 km na freguesia do Turcifal.

Depois da vinha, a urbanização do Campo Real, lá ao fundo.

Daqui a seis meses reencontramo-nos do talho...

Todo o passeio foi feito em redor da sede de freguesia,
com a referência sempre presente da monumental igreja de Santa Madalena.
Lá está ela ao longe...

A "Fonte Azeiteira" - porque antigamente havia aqui muitas oliveiras...
O povo agora diz que "é romana", como antigamente se dizia que era "do tempo dos Mouros".
É, provavelmente, do séc. XIX, o que já é muito tempo....



Acho sempre muita graça às capelinhas nas aldeias. Esta situa-se na Freixofeira.



O encanto das pequenas torres sineiras... 



Caminheiros, paisagens e muito sol...


E as cores do outono


Que estranha construção é esta, no meio das vinhas ?


Vamo-nos aproximando

Alguém disse que se tratava de uma mina de água.
Mina de água?????

Nota-se uma grande brecha na estrutura, Aguentará o próximo inverno?

Desde logo é notória a semelhança com outra construção à beira da estrada Torres Vedras - Malveira, perto da aldeia de Catefica. Trata-se de um pombal.
A explicação para a monumentalidade está na função: eram abrigos de dezenas ou centenas de pombos, que produziam grande quantidade de estrume, utilizado nas vinhas. Foi o que nos explicou um companheiro de marcha, residente no Turcifal. Faz sentido.

Já no regresso a Torres Vedras, parei junto ao pombal de Catefica, pertencente à Quinta do Calvel, e tirei as fotos que "aqui ficam":




Pombal de Catefica




***

O próximo passeio será na zona das Termas dos Cucos, em 6 de novembro.

Fotos © Méon
2 outubro 2011