8.6.13

O "SOBE E DESCE"


 Nos anos 50 este era o carro do meu tio Hermano.
O meu tio era um homem bem constituído, de mãos poderosas, que eu gostava de ver à mesa pelo modo como apreciava a comida. Tinha gosto em comer bem. Uma cabeça de garoupa ou uma perna de cabrito eram tratados com a delicadeza de um jardineiro de plantas frágeis e o método implacável de um predador. Não admira que a minha frugalidade de miúdo enjoado se sentisse intimidada com o seu poder degustativo.
Outra característica dele era o sorriso, de uma enorme doçura, que contrastava com a severidade do olhar quando estava sério. O riso fazia-lhe uma covinha na face e eu ficava a pensar que estranho homem era aquele que devastava meia travessa à mesa e se ria como um menino.
Tio Hermano era mecânico de automóveis e tinha uma oficina de reparações às Laranjeiras, perto de Sete Rios. Reparava automóveis de gente importante que tinha confiança na habilidade e na honestidade dele.
O que era um mistério para mim é que meu tio tinha este velho carro que já nos anos 50 era bem velho, ou melhor, "antigo". Chamava-lhe "Sobe e Desce" pelos balanços que oferecia aos viajantes, como cheguei a confirmar nas vezes em que andei nele. Mistério para o rapazinho que eu era porque ele mexia nos últimos modelos de Chevrolet, de Dodge ou de Simca mas conduzia aquele calhambeque como  o único carro do mundo em que valia a pena viajar. Quando passava toda a gente olhava e alguns riam-se. "Pois sim, mas vocês vão a pé..." - dizia ele a rir, enquanto manobrava o volante que tinha uma folga tão grande que eu admirava-me como é que ele conseguia mantê-lo a direito na estrada.
Querido tio Hermano! Tenho saudades de te ver almoçar demoradamente ao Domingo quando trazias a família até Alpiarça. E sorrio ainda ao recordar o teu riso de menino.

Na foto: a minha prima Bia e o nosso segundo primo Carlos Peralta

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