14.12.11

TEJO, REDOL E SARAMAGO



Avieiras da Azinhaga

Releio, deslumbrado, AVIEIROS, de Alves Redol. Grande prosador, grande observador de gentes e lugares. Ainda bem que há centenários - como este do nascimento de Redol (1911/2011) - para fazer sair o neorrealismo do jazigo do esquecimento. Desgraçadamente a nossa pequenina cultura nacional precisa de matar os antigos para dar lugar aos novos. Mas passado o momento e algumas reedições - poucas! - torna a fechar-se a porta do esquecimento e ala! -  que venham novas modas.

Há dias visitei o Tejo com um amigo que vive há três décadas em Macau e por isso conhece bem todo o Oriente. Andámos pelas terras de Santarém e Alpiarça, passámos as pontes, ligámos as margens. Estava maravilhado com a paisagem e a tranquila serenidade do grande rio. O que lhe causou grande estranheza foi a falta de gente. Não se via vivalma por ali. Nem pescadores desportivos nas margens, nenhum barquito nas águas. Um rio deserto é uma desolação. Ah! Que diferença em relação aos rios orientais onde a vida fervilha.
Aqui, o grande rio foi destruído lentamente por décadas de incúria. Poluição, barragens sem soluções técnicas ( que existem!) para as migrações das espécies piscícolas, afluentes transformados em esgotos a céu aberto, uma gestão ruinosa da água pelos espanhóis.

Alves Redol descreve o rio dos anos 30 e nós encontramos nas suas páginas a atualidade dos males que hoje nos afligem. Mas ele era comunista, vivia no meio do povo, falava nas dores dos deserdados, incomodava. Chapou-se-lhe a etiqueta de neorrealista, arrumou-se o homem, vinha aí o existencialismo e as elocubrações angustiosas do pequeno-burguês da vida urbana. O que nós perdemos com estas guerrinhas...

Nos anos 80 começa a grande época de José Saramago. O primeiro livro do êxito foi LEVANTADO DO CHÃO. E que vemos nós? O autor recupera o método de Redol - viver no meio do povo, nos lugares que vai usar como cenário da história - e mete-se numa casa de camponeses do Lavre, ali para Montemor-o-Novo. E aconselhou outros: " o país está cheio de histórias, basta lá ir buscá-las!"
Olha a novidade! 50 anos antes Redol fez isso em grande escala: viveu na Nazaré e escreveu UMA FENDA NA MURALHA; foi para o alto Douro e escreveu três livros do ciclo Vinho do Porto; calcorreou o Ribatejo e escreveu GAIBÉUS, FANGA, MARÉS, GLÓRIA - UMA ALDEIA DO RIBATEJO; assistiu à luta dos latifundiários ribatejanos contra a industrialização e criou essa obra-prima que se chama BARRANCO DE CEGOS, na qual, apesar da localização temporal atirada para os fins da monarquia,  ficciona o processo espantoso da deificação do senhor que a realidade vem confirmar poucos anos depois com a farsa do poder fingido de Salazar , moribundo mas ainda a governar.

Atrevo-me a dizer: Saramago não é melhor prosador que Redol. Tem mais engenho de construção romanesca, mais imaginação para personagens e situações, sim, tem. Mas não supera Redol no conhecimento da língua, nos tipos característicos que criou, no lirismo contido mas intenso das curtas descrições de paisagens e lugares, sentimentos e emoções. E acrescento: não maça o leitor com sentenças de profeta, coisa com que Saramago me enfada, tenham lá paciência.

Um pequeno trecho dos AVIEIROS:



«A rota contraditória das suas águas, o Tejo foi depondo e levando, levando e repondo areias junto do valado real da Lezíria Grande. Areias e terras doutras margens por onde passa. Quando o Tejo passa, algo acontece sempre, porque um rio tem as suas glórias e os seus dramas. Como os homens. Um rio vive, respira, trabalha, constrói e destrói. Também os homens. Mas os homens amam e apaixonam-se. Por belas coisas, às vezes; por coisas mesquinhas, outras tantas. A paixão é o tudo e o nada dos homens. Odienta ou amorosa, a paixão empolga-o, porque nem só o amor sublima o homem. Também na luta feroz ele se ultrapassa. A sobrevivência, por exemplo, é sempre uma luta feroz, mesmo em silêncio. Ou será ainda maior quando vive no silêncio.
Um rio tem as suas glórias e os seus dramas, mas não se apaixona. O Tejo não pensa, age. Age ao sabor das circunstâncias. Age e constrói; age e destrói. Como o homem. Mas o homem pensa e conhece a dúvida.» ( in: Avieiros, início do cap. Aldeia)

Fotos daqui. Curiosamente, Azinhaga é a terra natal de José Saramago.

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2 comentários:

Branca disse...

Olá Méon,

Gostei do que li e ainda bem que encontro alguém que como eu se enfada com as sentenças de Saramago.

Um escritor não sentencia, antes deixa que seja o próprio leitor a fazer a interpretaçao das suas reflexões sempre abertas...

Espero que esteja tudo bem com o João e que o vosso Natal, se é que vos é uma época especial seja feliz.

Beijos
Branca

jimmy David disse...

Palavra por palavra, ponto por ponto, toda a minha opinião está dita neste (grande) texto. Fantástico! É bom encontrar outros com opiniões iguais À nossa.