22.9.12

E POR FALAR EM BURROS...






A concorrência é muita. Não de burros mas de gente a falar de burros. De maneira que estou um bocado entupido de assunto. 
E foi quando vi o livro. Eh! 
É isto! Mestre Aquilino já por ali andara a burricar. Prosa deliciosa, ó mestre dos mestres!
O burro do Aquilino vivia lá no Alto Minho - talvez arredores de Romarigães - mas por trilhos e ladrilhos que só a leitura da história explicará, acabou por vir para a Capital, via Viseu, Santarém, Torres (Vedras), Mafra, até chegar ao Lumiar por onde penetrou em Lisboa, indo dormir com o dono numa estalagem ao Arco do Cego. O que o burro tinha de diferente era a sua enorme cauda - a que Aquilino chama "rabo" para não destoar do ambiente plebeu da história. E foi o rabo do burro que acabou por transformar o dono num nababo ricaço, como se descobre no final da história.
Gosto dos burros pela sua inteligência, nais notória pelo modo como incutiram que o vulgo a tomasse por teimosia estúpida. Assim abrem caminho ao que quiserem e lhes faça mais proveito,  bem lhes importando que os asnos humanos lhes chamem burros!!!

De burros estamos conversados. 
Vamos então ao começo da história de Aquilino, primeira edição em 1962, com belas ilustrações de Luís Filipe de Abreu:


«Era uma vez um burro, verdadeiramente cor de burro a fugir, rijo de cascos, fino de orelha, boa boca, com uma malha arruçada na testa que lembrava o malmequer e a estrela-do-mar. 0 dono, moleiro exacto na maquia, trazia-o muito bem tratado, pois não havia melhor para carregar as taleigas, com ele no meio das taleigas, e tropicar lesto como se não levasse mais do que penas em cima do lombo. O meritório e guapo burrico tinha, porém, um defeito, um enorme defeito. Não era teimoso como um burro, o que estava na ordem natural das coisas, nem como dois burros, nem ainda como dez, mas como cem burros a um tempo. Quando porfiasse meter por determinado caminho não havia vozes, ralhos, arrocho que fossem capazes de o fazer desistir do seu burrical intento.
Ora nas abas da mui antiga vila de Valença, à beira do rio Minho, o que se chama à beirinha, possuía o moleiro um campo para onde costumava soltar o jerico a pastar. A erva era tenra, bem medrada e verde verdinha; crescia onde devia cres­cer e também nas margens, tão rente à água, que a corrente a afagava e anediava como a cabeleira desatada. O jumento, que era guloso, olhava para essas touceiras meio aquáticas, morto por lhes chegar o dente. Mas sempre que ia a estender para lá o pescoço, o moleiro, como se não fizesse outra coisa senão estar a vigiá-lo, com a mão em cutelo dava-lhe nas orelhas para trás. E lá escapavam as ricas ervas! Havia, é certo, o seu perigo em colhê-las. O terreno era traiçoeiro. Mas deixá-lo! Embora timorato por índole, não nadando me­lhor que um prego, cada vez se sentia mais tentado pelo fruto proibido. Só de olhar para lá, crescia-lhe a água na boca. De noite sonhava e via-se atolado na delícia de manducar à tripa forra a erva excelente.
Ora sucedeu vir um sol muito forte e crestar regadas e pastios. Quando o burro do moleiro chegou ao seu campinho, não encontrou fêvera com que entreter o apetite. Louvores ao Pai dos Bichos, lá estava ao fio da corrente a erva dos seus pecados! Mais fresca nem um sorvete. E naquela hora, com o moleiro, não está bem averiguado por que carga de água, dis­traído dali, fácil foi à sua teima e sua gula vencerem. E eis que avança uma pata, estica a cachaceira, alonga-se um pouco, alonga-se mais ... abre a dentuça a ceifar umas repas da erva.»

E o resto da história? 
Boa dica para procurar o livro, numa 2ª edição de 1976.

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