Primeira página de NOME DE GUERRA , de Almada Negreiros:
AS PESSOAS PÕEM NOMES A
TUDO E A SI PRÓPRIAS TAMBÉM
Das duas uma: ou as pessoas se fazem ao nome que
lhes puseram no baptismo, ou ele tem de seu o bastante para marcar a cada um.
Será imprudente deduzir o nome próprio através das fisionomias ou dos
caracteres; no entanto, uma vez conhecido o nome próprio de uma pessoa, ficamos
logo convencidos de que este lhe assenta muito bem. Jules Renard tirou um esplêndido
retrato da vaca em tamanho natural: “On
l'appelle la vache et c'est le nom qui lui va le mieux”. Como vedes, este corpo-inteiro está extraordinariamente parecido, é vaca por todos os lados.
Por sorte, a vaca não tem apelidos de família para lhe complicarem
a existência. Mas como é animal doméstico vem a dar- -lhe na mesma, que tenha
ou que não tenha apelidos. O ser animal doméstico faz com que fique dentro da
circunscrição dos apelidos da família em casa de quem serve. As vacas chamam-
-se e os donos das vacas apelidam-se. A vaca é “Pomba”, “Estrela”, “Aurora” ou
“Vitória” como uma pessoa podia ser apenas José, Maria, Luís ou Judite. É a
domesticidade que leva a estas designações e para evitar o opróbrio da fria
enumeração. São efeitos da gentileza com
facilidades para distinguir. Mas a verdade é que o facto de alguém ser Joana ou
Manuel já é mais do que ser apenas homem ou mulher. Ser homem ou mulher é
apenas a natureza; chamar-se João ou Manuela já é a natureza...
(Almada Negreiros. Nome de Guerra, Edições Ática, Lisboa, 1999)
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