30.4.11

REPENSAR AS ESQUERDAS


Há uns meses referi aqui este livro:

Chegou-me agora às mãos. Começa assim:

«Há algo de profundamente errado na maneira como hoje vivemos. Durante trinta anos considerámos ser uma virtude a procura da satisfação material: de facto, essa procura constitui agora o que resta do nosso sentido de finalidade colectiva. Sabemos o preço das coisas, mas não fazemos ideia do que valem. Sobre uma decisão judicial ou um acto legislativo já não perguntamos: é bom? É justo? É correcto? Ajudará a alcançar uma sociedade melhor ou um mundo melhor? Eram estas em geral as perguntas políticas, ainda que não propiciassem respostas simples. Temos novamente de aprender a fazê-las.
A qualidade materialista e egoísta da vida contemporânea não é intrínseca à condição humana. Muito do que hoje parece 'natural' remonta aos anos 80: a obses­são pela criação de riqueza, o culto da privatização e do sector privado, as crescentes disparidades entre ricos e pobres. E sobretudo a retórica que vem a par de tudo isto: admiração acrítica dos mercados sem entraves, desdém pelo sector público, a ilusão do crescimento ilimitado.
Não podemos continuar a viver assim. O pequeno crash de 2008 foi um aviso de que o capitalismo não-regulado é o pior inimigo de si mesmo: mais cedo ou mais tarde há-de ser vítima dos seus próprios excessos e para salvar-se recorrerá novamente ao Estado. Mas se nos limitarmos a apanhar os cacos e continuar como dantes, podemos esperar convulsões maiores nos pró­ximos anos.
E porém parecemos incapazes de conceber alterna­tivas. Também isso é novo. Até bastante recentemente, a vida pública nas sociedades liberais conduzia-se à som­bra de um debate entre os defensores do 'capitalismo' e os seus críticos, geralmente identificados com alguma forma de 'socialismo'. Nos anos 70 esse debate já tinha perdido muito do seu sentido para ambos os lados; mesmo assim, a distinção 'esquerda-direita' servia uma finalidade útil. Ela fornecia uma estaca para firmar o comentário crítico das questões contemporâneas.
À esquerda, o marxismo atraía gerações de jovens, mais não fosse por oferecer um modo de distanciar-se da condição vigente. O mesmo, quase, era válido para o con­servadorismo clássico: uma aversão bem fundamentada à mudança acelerada dava abrigo aos que hesitavam em abandonar rotinas há muito estabelecidas. Hoje, nem a esquerda nem a direita conseguem achar a sua posição.»

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