Que dizer sobre esta desgraçada vida política portuguesa?
Enquanto os políticos profissionais enrouquecem a gritar bocas uns contra os outros, o FMI já cá está outra vez para verificar se os compromissos estão a ser cumpridos.Lógico: o dinheiro é deles, tratam de o defender.
Enquanto isso, em Bruxelas os ministros das Finanças (o português tb lá estava!) alteraram o texto do acordo assinado em Portugal e apertaram mais os prazos e as condições. Alguém ouviu explicações em Portugal sobre o assunto? Só acusações mútuas.
Sabendo que ninguém vai ganhar as eleições com maioria absoluta, impunha-se que os políticos pensassem em acordos, negociações, preparação para o dia 6 de Junho, quando acabar o carnaval eleitoral. Ilusão nossa. Cada um tem a verdade no bolso e saca dela como pistoleiro. Mas é pólvora seca, muito barulho para nada.
Tal como muitos pessoas que oiço por aí, não me sinto representado por nenhum partido político. Isto não significa que seja anti-democrático, que esteja contra a democracia representativa. Significa apenas que não subscrevo nenhuma proposta de nenhum dos partidos que vão a votos.
Já o exprimi aqui: sou de esquerda. O que quer dizer que sou por uma vida social em que as necessidades colectivas estejam à frente das individuais, em que os transportes públicos sejam mais importantes do que os automóveis, em que os hospitais e as escolas públicos tenham mais apoios do que as clínicas privadas e os colégios.
No entanto, os partidos que defendem isto não conseguiram adoptar uma estratégia positiva que lhes desse a possibilidade de serem governo. Não passam de partidos de protesto, de indignação, que se esgotam na exigência de que "os outros" mudem de política. Claro que os outros não mudam porque fazem o que está na sua natureza.
Quem quer que ganhe as eleições no próximo domingo terá de cumprir o programa da trioka. E os senhores políticos que dizem que não, que se deve renegociar a dívida, etc. - como se fossem eles os credores! - sabem muito bem que o não cumprimento do tal programa significa não haver dinheiro para salários, subsídios de desemprego, subsídio de férias... Então para quê eleições? - é a pergunta legítima de muita gente. É a minha pergunta.
Sócrates será apeado do governo, parece certo. Mas... e depois? Um governo PSD/CDS vai mudar Portugal - cumprindo as ordens da troika? E se o povo acordasse FINALMENTE! - como sonha Jerónimo de Sousa e os comunistas - e lhes desse a vitória? O que fariam com ela?
Não me admira que mais de 50% fique em casa no próximo domingo. É o que eu farei. A abstenção, neste caso, é uma atitude cívica. Não significa desinteresse, desprezo pela democracia, falta de sentido cívico, indiferença, comodismo. Antes pelo contrário. É um fortíssimo sinal de aviso, uma recusa indignada, uma tomada de posição séria. Que a mim, que conheci a farsa das eleições salazaristas e marcelistas, me custa a adoptar. Mas que escolho por ser a única que me parece adequada para as actuais circunstâncias.
Termino com a transcrição deste magnífico texto do Baptista Bastos, desencantado e lúcido. Subscrevo-o por inteiro.
«Muitos portugueses já perceberam que nada ficará resolvido, depois do 5 de Junho.
Não é, somente, o facto de Sócrates, Passos e Portas se execrarem. É porque as circunstâncias pessoais (ambição de poder pessoal) são impeditivas do mais leve entendimento. Apenas isso.
Porque, ideologicamente, andam de braço mais ou menos dado. O cenário é deplorável. O que, nas televisões, dizem uns dos outros só não é injurioso porque houve, e há, quem se lhes antecipe. E não aludo, exclusivamente, ao apenas concebível dr. Catroga, nem ao inolvidável dr. Lello.
(...)
Ao que parece, ninguém quer debruçar-se sobre a situação e analisar as possibilidades de risco que o sistema, cada vez mais ameaçador, envolve. Aqueles três dirigentes políticos portugueses nada trazem de novo. E a Esquerda, à esquerda do PS, quero dizer: o PCP e o Bloco, estão à defesa, recuperando antigos projectos, mas sem propostas originais destinadas a enfrentar os perigos terríveis que se acumulam no nosso horizonte. A crise não é unicamente económico-financeira. É mais ameaçadora e extensa porque é uma crise moral.
O Bloco está a perder votos porque está a perder a genuinidade essencial das suas origens. E o PCP não deve articular o seu discurso em vagas hipóteses de futuro. Quando Jerónimo de Sousa diz que os comunistas irão para o poder quando o povo assim o desejar, a afirmação, repetida, peca por insinceridade. O voto surge quando a retórica é alterada. Ora, sabe-se muito bem que o PCP não pode mudar o discurso sob risco de decrescer. As manifestações populares da "Geração à Rasca", e outras, são sintomas de que a juventude quer outra coisa que não aquela que se lhe apresenta, por ineficaz e insistentemente obsoleta. E que querem esses moços que enchem as ruas, um pouco por toda a Europa, e que sobressaltaram a França e o mundo na década de 60? É aí, creio, que reside o busílis da questão.
Temos de assumir a coragem de reconhecer que as nossas ofertas ideológicas já pouco ou nada dizem aos nossos filhos. O que construiu a nossa incontestável autoridade intelectual e ética perdeu-se porque nos acomodámos. Hoje, somos aqueles que atacámos, contestámos e combatemos. Envelhecemos sentados no sofá, frente à televisão. Um ou outro madura que ainda se indigna, que ainda escreve textos desabusados e gesticulantes é uma velharia; uma velharia simpática e estimável, mas velharia.
Que significado profundo têm, para o pessoal mais novo, as palavras comunismo, social-democracia, revolução? "Os grandes revolucionários de hoje serão os grandes sociais-democratas de amanhã", disse Willy Brandt, numa frase que ficou famosa pela autenticidade que a sustentava. Hoje, nem isso. A etimologia de certas palavras, que empolgou, por exemplo, a minha geração e a anterior, perdeu peso e sentido. E é isso, a dor de sentirmos que as coisas deixaram de ter significado, que nos amolga, nos dói e nos afronta.
Diz-se que os deveres cívicos foram dissolvidos por outras urgências e necessidades ou, simplesmente, porque deixaram de nos interessar. O voto, por exemplo. Todos recordamos o regozijo e a exultação dos primeiros tempos, quando presumíamos que o nosso destino estava naquele pequeno pedaço de papel. Acabou-se a magia. A abstenção cresce, em doses enormes: colocamos no poder, pela nossa negligência, criaturas impreparadas que somente vão tratar da vidinha. Dizem que as novas gerações possuem mais qualidade e maior e melhor preparo do que as anteriores. É capaz de ser verdade. Pelo menos apresentam o "canudo." Mas que futuro o futuro lhes reserva?
Ninguém lhes liga nenhuma. Em laboratórios minúsculos, quase vãos de escada, numerosos rapazes e raparigas dedicam a vida a investigar, a fazer avançar a ciência, com resultados absolutamente extraordinários. Pois o esforço admirável dessa gente, que chega a comover-nos e a orgulhar-nos, raramente atinge a nobreza das primeiras páginas dos jornais, e nunca, por nunca ser, abrem os noticiários da noite. Em seu detrimento põem preopinantes ignaros a debitar opiniões vãs e tolas. A lista de imbecis que incha as televisões chega a ser insultuosa. Não é um problema de Direita ou de Esquerda: é burrice e ignorância ostensiva.
Estas anomalias não se curam nem se atenuam de um dia para o outro. Eu sei. Mas talvez pudesse haver um pouco mais de humildade e de precaução. E, também, de saber e de conhecimento. Aqueles senhores que, a partir de 5 de Junho, vão dirigir este pobre a amado país, nada vão mudar em nosso benefício. O breviário que trazem no bolso é uma antiguidade rançosa, medíocre e inútil.»
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