3.2.09

CRISE? ONDE ESTÁ A SURPRESA?

Disse Obama há dias, referindo-se à ajuda que o Estado deu aos bancos para não entrarem em falência: «Os executivos dos grandes bancos repartiram entre si 14 250 milhões do plano da crise. Uma irresponsabilidade e uma vergonha». Referia-se aos prémios dados a gestores e que foram empregues na compra de casas de luxo, aviões particulares, etc.
Cá em Portugal a coisa vai pela mesma bitola. Hoje o PÚBLICO noticiava que o BPN já tinha engolido o equivalente a meio aeroporto da Alcochete.


O curioso é que toda a gente fala da grande surpresa que é esta crise mundial."Ninguém esperava!!!" - dizem todos. Atribuem-na a uma entidade mítica ( a auto-regulação dos mercados que falhou, por motivos que ninguém percebe! ). Os economistas, que ganham tanto dinheiro a dar opiniões teóricas, andam caladinhos, para não fazerem mais figuras tristes. Afinal não sabem nada!

Mas tudo isto era previsível. Eu que não sou economista e pouco percebo destas coisas, tenho vários livros que já alertavam, há muitos anos, para a insustentabilidade deste modelo económico.

Um grande pensador francês, Roger Garaudy, escreveu "APELO AOS VIVOS" em 1979 ( Ed. portuguesa da Moraes, em 1982), em que o primeiro capítulo se intitulava «Um mundo no atoleiro» e o primeiro sub-capítulo era «Um modelo de crescimento que torna o statu quo não vivível e a revolução impossível». Logo na primeira página escrevia:
"Se continuarmos a viver os próximos trinta anos como vivemos os últimos trinta, vamos a caminho de assassinar os nossos netos".
Nem mais!


Em 1996 dois jornalista alemães escreveram um livro ( Ed. portuguesa: "A armadilha da globalização - o assalto à democracia e ao bem-estar social" ) que denuncia o que eles apelidam de "turbocapitalismo", o domínio da economia pelas engenharias financeiras e a instauração de um neoliberalismo que tinha como principal consequência a desestabilização dos Estados e a destruição dos mecanismos de ajuda social onde estes existiam. Isto é: "menos Estado" e "mais lucros privados". Numa espiral que só podia dar no que deu.

No livro "O novo estado do mundo", publicado em França em 1999 e em Portugal um ano depois, já se previa o que hoje vivemos. Por exemplo:
"Quanto mais importantes são os capitais acumulados pelas organizações criminosas, mais elas podem dissimular-se em recantos escusos criados pela desregulamentação económica e financeira. É mais fácil branquear um milhão de dólares do que 20 000 porque não existem controlos nos mercados financeiros. (...) Quanto mais vastas e organizadas são as actividades criminosas, mais insuspeita deve ser a sua fachada legal. A fusão entre a economia global e a economia criminosa perece, portanto, hoje cumprida." ( pág 138).


Maria José Morgado há anos que vem clamando: é urgente que as polícias sejam dotadas de meios humanos com formação específica para fazer face ao crime financeiro, o mais grave de todos porque atira milhares/milhões para o desemprego, a fome, a miséria.
Oliveira e Costa é apenas uma face visível do imenso sub-mundo das manobras financeiras criminosas, denunciadas em livros como "Revelações sobre o mundo financeiro", Edit. Inquérito, 2001 ( no mesmo ano em que foi editado em Paris).

O Prémio Nobel de Economia 1998, o indiano Amartya Sen, professor na Universidade de Oxford), há muitos anos que denuncia as graves desigualdades mundiais com estudos magistrais de que é exemplo o já clássico "Pobreza e fomes - um ensaio sobre direitos e privações", ed. Terramar, 1999 ( o original é de 1981!)

Não esqueçamos que na Madeira funciona há anos uma off-schore, um mecanismo "legal" para dar cobertura a tais manobras.

Agora só ouvimos falar em "surpresa!". Mais uma descarada mentira! Como é possível que em poucos meses aquilo que era uma economia florescente se transforme numa enorme hecatombe ? Como é possível que de um momento para o outro milhões de pessoas fiquem sem emprego?

A grande razão desta crise parece a mesma que levava os monarcas medievais a cunharem mais moeda: o dinheiro deixou de ter valor para os grandes financeiros porque se tornou numa realidade virtual, não corresponde a riqueza real. Os monarcas medievais mandavam arrecadar as moedas circulantes para lhes fazerem um buraco no meio e assim arranjarem mais metal para cunharem novas moedas. O povo ficava temporariamente sem dinheiro? Tivessem santa paciência.... Os tecnocratas financeiros de hoje provocam o crash para voltarem a poder especular, continuando a ganhar fortunas em golpes de bolsa e transferências fantásticas. No espaço de tempo intermédio esperam que os Estados distribuam uns patacos aos desgraçados de sempre...
Não admira que alguns dos nossos "tubarões" financeiros já tenham dito publicamente: os tempos de crise trazem grandes oportunidades de negócio!



Em resumo: uma coisa são os Estados e Administrações públicas nacionais; outra são as grandes entidades financeiras, multinacionais. Com lógicas antagónicas. As últimas manobram no sentido de canalizar somas fabulosas para bolsos privados de uma elite mundial; as primeiras gerem os descontentamentos sociais, vampirizando as classes médias que não podem fugir ao fisco.
As primeiras baralham para dar de novo: é a fase em que estamos. Aos Estados pede-se que acorram como bombeiros, "ajudando" os pobrezinhos ricos que tiveram o enorme prejuízo de só ganharem dez milhões quando era suposto terem lucros de cem!


Como sair disto? Pierre Bourdieu disse em 1995, (citado pelo livro "A armadilha da globalização", pág 241):
«Só podemos combater eficazmente a tecnocracia internacional se a desafiarmos no seu terreno de eleição, o das ciências económicas, e se opusermos ao pensamento mutilado a que ela recorre um saber que respeite mais as pessoas e as realidades que elas enfrentam.»

2 comentários:

Anónimo disse...

É urgente rejeitar o sistema económico, social e político.O neoliberalismo (capitalismo senil)só nos tem dado guerras, injustiça e miséria. Continuar neste barco é o suicídio.

Unknown disse...

Méon,

precisamente hoje falei aos meus "besouros" destas questões...a propósito das práticas económicas da história portuguesa!!!!
E usei alguns destes tìtulos para lhes "lembrar" a situação da economia actual!!!!
"Brigados" pela partilha!!!!

Beijinho.