24.3.11

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Contra a irracionalidade


por BAPTISTA-BASTOS

As notícias não são animadoras. Mas há quanto tempo é que as notícias o não são? Vivemos no interior de muitos medos e parece que ninguém é capaz de os aniquilar ou, pelo menos, de os atenuar. Possuímos uma larga, histórica, dir-se-ia que fatal experiência do medo. Temos sobrevivido entre a resignação e a revolta cabisbaixa. Entretanto, fomos alimentando a esperança, sempre fugidia, de que as coisas iriam melhorar. Os dias de amanhã seriam melhores e mais belos. Tivemos uns fogachos de alegria, seja dito; porém, há quem deteste que sejamos felizes, mesmo mitigadamente.

Ao que leio e ao que me dizem sábias criaturas, o Governo vai cair. O estrondo não será grande. Já se previa. O pior é que o pior está para vir. E o putativo substituto de Sócrates não o esconde. O pouco que resta do 25 de Abril, Passos Coelho encarregar-se-á de remover.

A preguiça, a indiferença e, até, a cobardia podem explicar as razões por que chegámos aonde estamos. Ainda conseguimos concentrar energias para encher praças e avenidas com os nossos protestos. Não têm servido para muito. A democracia portuguesa está reduzida a um funcionamento processual, que limitou, dramaticamente, os horizontes das nossas escolhas, dos nossos valores e dos nossos sonhos. Recalcitramos, mas de muito pouco nos vale.

(...) O sentido de pluralidade, que dá corpo e razão à democracia, foi abreviado pela homogeneidade e pela unificação de interesses do PS e do PSD. A queda do Governo é, apenas, o episódio comezinho da substituição de rabos nas cadeiras.

Atingimos uma situação extraordinária: somos dissidentes de nós próprios. A "democracia da desconfiança" atingiu-nos com tal violência que ficámos incapazes de nos desembaraçar da tenaz, astutamente formada pelos dois "mais importantes" partidos. "Mais importantes" porquê? E os outros? São, apenas, elementos decorativos? Não fazem parte da participação (que deveria ser permanente) dos cidadãos nos domínios políticos?

O mal-estar, generalizado, em que sobrevivemos, atingiu, até, as nossas pessoais afectividades (a capacidade de ser afectados) e o impulso dominante é o de admitir as coisas como elas se apresentam. Decepção, incerteza, insatisfação. À irracionalidade de um poder que se desdobra por dois partidos, temos de encontrar métodos que se lhe oponham. Aceitando os perigos daí advenientes. Obedecer aos antigos valores é tarefa perigosa - porém imperiosa. A desobediência é um desses valores".
in DN 23 de Março de 2011

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