3.1.08

VITORINO NEMÉSIO (1901 - 1978)


Recordo o professor que fazia das aulas uma viagem assombrosa pelas avenidas da literatura. Referências caóticas por vezes. Outras, de um humor desconcertante. Expressivo como ninguém, emocionava-se com uma citação para logo se rir de uma piada cujo alcance só ele percebia.
No exame de Cultura Portuguesa não me fez perguntas. Esperou apenas que eu seguisse os seus raciocínios. Ele lá sabia quando um aluno estava por dentro da conversa. Ou não...
Perguntas a sério fez-me depois o seu assistente das aulas práticas enquanto Nemésio pegava num livro, com ar enfastiado...
Partiu há trinta anos.









A Concha

A minha casa é concha. Como os bichos



Segreguei-a de mim com paciência:


Fachada de marés, a sonhos e lixos.


O horto e os muros só areia e ausência.






Minha casa sou eu e os meus caprichos.


O orgulho carregado de inocência


Se às vezes dá uma varanda, vence-a


O sal e os santos esboroou nos nichos





E telhados de vidro e escadarias


Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!


Lareira aberta ao vento, as salas frias.



A minha casa... Mas é outra a história:


Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,


Sentado numa pedra de memória.






V. Nemésio, in: O Bicho Harmonioso

2 comentários:

avelaneiraflorida disse...

CASA LINDA!!!!

Não tive o privilégio de ter sido sua aluna!!!!!
Mas tive a oportunidade de ouvir, deliciada, sem compreender então a totalidade do que dizia, nos programas da televisão com o título "Se Bem me Lembro..."

No entanto, leio-o sempre com imenso prazer!!!! tanto a prosa com a poesia...
Pena que esteja tão esquecido...até no mundo escolar!!!!
"Brigados"por esta Lembrança!!!!

Joaquim Moedas Duarte disse...

A página LUGAR ONDE de Fevereiro será dedicada ao V. nemésio. Há que recordar este enorme criador literário.