24.10.10

IMAGENS DO MEU OLHAR - RUÍNAS DE SANTARÉM


O claustro medieval com pavimento de tábua corrida...

São célebres as páginas de Almeida Garrett nas "Viagens na MInha Terra"( publicado em 1846) sobre as ruínas de Santarém. Transcrevo alguns períodos do cap. XLI:

(…)
Pois também eu me quero partir, me quero ir embora. Já me enfada Santarém, já me cansam estas perpétuas ruínas, estes pardieiros intermináveis, o aspecto desgracioso destes entulhos, a tristeza destas ruas desertas. Vou-me embora.
E contudo S. Francisco é uma bela ruína, que merecia ser examinada devagar, com outra paciência que eu já não tenho.
Se tudo me impacienta aqui!
Da bela igreja gótica fizeram uma arrecadação militar; andou a mão destruidora do soldado quebrando e abolando esses monumentos preciosos, riscando com a baioneta pelo verniz mais polido e mais respeitado desses jazigos antiquís­simos; os lavores mais delicados, esmoucou-os, degradou-os.
Levantaram as lajes dos sepulcros e, ao som da corneta militar, acordaram os mortos de séculos, cuidando ouvir a trombeta final...
Decididamente, vou-me embora, não posso estar aqui, não quero ver isto. Não é horror que me faz, é náusea, é asco, é zanga.
Malditas sejam as mãos que te profanaram, Santarém... que te desonraram, Portugal... que te envileceram e degra­daram, nação que tudo perdeste, até os padrões da tua história!...
Eheu, eheu, Portugal!


Os roteiros turísticos dizem-nos, hoje, que esta cidade é "a capital do gótico em Portugal". Não duvido, depois de visitar a Igreja da Graça, a de Santa Clara, S. João de Alporão, a da Misericórdia e o covento de S. Francisco, além da Fonte das Figueiras.
O que me espanta é o que ainda restou do abandono e do desleixo que tanto revoltou Garrett. Como seria belo o edifício que tem este magnífico claustro, que sobreviveu a duas gerações que instalaram nele um quartel militar - a igreja foi palheiro, o coro alto foi refeitório de soldados!

Deixo para amanhã a página impressionante em que Garrett descreve a visão do túmulo profanado do rei D. Fernando, situado no coro alto da igreja de S. Francisco, que o leva a escrever:
"Oh, nação de bárbaros! Oh, maldito povo de iconoclastas que é este!"

O convento já há muito que não é quartel de tropa. Mas as obras de restauro demoraram, o edifício esteve fechado até há dois anos e só é visitável agora. E como não me arrepiar face ao espetáculo ridículo de um claustro gótico pavimentado a tábua encerada? É que - informaram-me na portaria - ainda não houve verba para colocar as lages que estão amontoadas no pátio central. Entretanto, gastaram-se milhares de euros na requalificação modernista do jardim da República, ali ao lado, uma obra que nada tinha de urgente, se comparada com a do caustro...
Sim, nação de bárbaros!!!


As lages do claustro amontoam-se no meio do claustro

Fotos Méon

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