26.10.10

A QUESTÃO DOS "ALTOS SALÁRIOS"



Hoje, em PEDRAS ROLANTES, mais um texto de Venerando de Matos, esclarecedor pela pertinência e acerto da análise. Transcrevemos:


«Não deixa de ser curiosa a forma como os comentadores e políticos usam e abusam da demagogia quando se fala de salários.

Ontem correu a notícia de que os Juízes portugueses, no topo da carreira, eram os “mais bem pagos da Europa”.

Depois percebeu-se que eram os mais bem pagos, comparando o seu rendimento (liquido) como o rendimento médio do país.
Na verdade, como revela hoje o Público, recebem pouco mais de metade que os seus congéneres espanhóis, menos de um terço dos irlandeses. Só os polacos e os checos recebem menos.

Convém recordar que os salários mínimos (e não estamos a falar de salários médios…) em Espanha e na Irlanda são, respectivamente, cerca do dobro e três vezes maiores que em Portugal.

O truque já tinha sido usado contra os médicos e os professores.
Na realidade, num país onde as desigualdades sociais são das maiores da Europa, onde a maior parte do trabalho é precário e mal pago, o rendimento médio é muito baixo e portanto, quem esteja em profissões de topo, que exigem mais estudos e responsabilidades, recebem muito mais que a média miserável do país.

O que não quer dizer que ganhem mais ou tenham um melhor poder de compra que os seus congéneres do resto da Europa, nomeadamente da Europa do Euro, que é com esta que nos devemos comparar.

Recordo-me que, no caso dos professores, apresentavam-se estatísticas da OCDE segundo as quais o rendimento médio dos professores do topo da carreira era maior, comparativamente com os rendimentos médios do país, do que no resto da Europa. Se não me engano, apenas éramos ultrapassados pelo…México.

Por esta lógica, os professores Mexicanos e Portugueses seriam os mais bem pagos dos países da OCDE e foi esta a mensagem que então se procurou passar para a opinião pública, para justificar o corte dos “seus privilégios”.
Contudo, o que acontecia era que, sendo a situação salarial e de qualificação, no México e em Portugal, das piores dos países analisados, o salário das profissões qualificadas era muito superior a essa média.

Na realidade, se observássemos os salários reais, um professor mexicano recebia metade do português e o português ficava muito aquém da média europeia.

Ou seja, na realidade um professor português em final de carreira ( e o mesmo se pode dizer de um médico do SNS, de um professor universitário ou de um Juiz) recebia muito menos e tinha um poder de compra mais reduzido que os seus parceiros europeus, até porque, fazendo o nosso país parte dos países do euro, o custo de vida na maior parte da Europa não é assim tão diferente.

Devemos ainda acrescentar o facto de grande parte dos rendimentos assim noticiados nunca chegar aos seus “beneficiários”, já que, professores, médicos do SNS e juízes que trabalhem no serviço público, recebem apenas cerca de 2/3 daquele rendimento. O outro terço fica retido para pagamento dos impostos e da segurança social.

Ou seja, usa-se e abusa-se da demagógica manipulação estatística para tentar justificar a retirada de direitos e os cortes salariais, em nome do combate aos “privilegiados” e às “corporações”!!

Esta é uma boa forma de tentar dividir para reinar, fomentando a inveja social dos que pouco têm contra os que têm alguma coisa, desviando a atenção do verdadeiro problema: os salários e as pensões douradas dos “boys”; a fuga maciça aos impostos por parte das profissões liberais; os escandalosos benefícios fiscais do poder financeiro; a corrupção generalizada do poder político e financeiroe que o recurso aos offshores garante.»

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