17.10.10

MEDITAÇÃO

 Não se anda a mostrar por aí. Não fica favorecido nas fotografias.
Parece olhar mas para dentro. Doutorou-se em literatura medieval. Dá aulas numa universidade de Lisboa. Publica há 38 anos: 31 livros de poesia, 13 livros de ficção, 10 de ensaios, 2 de teatro...

Chama-se Nuno Júdice.
É dele este poema, retirado do livro MEDITAÇÃO SOBRE RUÍNAS





A Voz que Nos Rasgou por Dentro



De onde vem - a voz que
nos rasgou por dentro, que
trouxe consigo a chuva negra
do outono, que fugiu por
entre névoas e campos
devorados pela erva?


Esteve aqui — aqui dentro
de nós, como se sempre aqui
tivesse estado; e não a
ouvimos, como se não nos
falasse desde sempre,
aqui, dentro de nós.


E agora que a queremos ouvir,
como se a tivéssemos re-
conhecido outrora, onde está? A voz
que dança de noite, no inverno,
sem luz nem eco, enquanto
segura pela mão o fio
obscuro do horizonte.


Diz: "Não chores o que te espera,
nem desças já pela margem
do rio derradeiro. Respira,
numa breve inspiração, o cheiro
da resina, nos bosques, e
o sopro húmido dos versos."

Como se a ouvíssemos.

Nuno Júdice, in "Meditação sobre Ruínas"


Foto Méon



2 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi - Brasil disse...

Interessante este poema, lembra de Aristóteles quando referiá-se a uma substância, tal qual Nuno Judice traz a tona e Méon revigora em seu espaço.
Aliás, assim são os espaços, atemporais, dentro e fora de nós.

Unknown disse...

Méon,

e que ruínas? As totalmente desamparadas de vida? as ainda plenas de memória?

Que boa discussão!!!!!

Beijinho.